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Fatores associados ao aumento da gordura no leite

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vacas comendo silagem

A gordura é o principal componente energético do leite. Sua concentração é um indicativo da saúde do rebanho e está associada ao maior rendimento industrial de derivados lácteos, como: queijos, requeijão, manteiga e sorvetes. Por isso, nos últimos anos, a indústria vem estimulando produtores de todo país a produzir leite com maiores teores de gordura. Esse incentivo é realizado através de programas de pagamento pela qualidade do leite, no qual o produtor pode ser penalizado, ou bonificado, no preço do litro de leite, em função da concentração dos seus componentes. A tendência é a seguinte: quanto maior a concentração da gordura, maior será a bonificação ao produtor (abaixo segue o exemplo de um Programa de Pagamento pela Qualidade).

Tabela que mostra a questão da gordura no leite e bonificação
Fonte: CCR Itambé

Ao contrário disso, quando o valor mínimo de 2,99% de gordura não for alcançado, o produtor sofrerá penalização no preço pago no litro do leite. Assim, o monitoramento desse parâmetro é fundamental para avaliar se a gordura está presente na concentração adequada.

A gordura é o componente do leite com maior variação dentro de uma mesma espécie e raça. Sua concentração pode ser influenciada por diversos fatores, como: a alimentação, época do ano, erros de manejo, diluição em função do aumento da produção da vaca, genética do rebanho e o status fisiológico do animal. No entanto, a nutrição é ponto-chave na manipulação desse componente, uma vez que, os principais precursores de gordura no leite têm relação direta com a dieta consumida pelos animais.

A gordura do leite é composta, em quase toda sua totalidade, por triglicerídeos (cerca de 98%). Esses triglicerídeos são sintetizados nas células da glândula mamária a partir de ácidos graxos extraídos da corrente sanguínea, e que tem três origens distintas:

  1. A partir do acetato e butirato, que são ácidos graxos produzidos no rúmen;
  2. Nutrientes consumidos pela vaca via dieta e que são absorvidos no intestino;
  3. E ácidos graxos mobilizados de reservas corporais (comum em vacas que estão em balanço energético negativo).

Como grande parte dos ácidos graxos que chegam à glândula mamária tem origem no rúmen, é muito importante que as dietas sejam formuladas com o objetivo de manter esse ambiente estável e saudável. As pesquisas mais recentes mostram que a queda do teor de gordura no leite está associada a duas condições no rúmen: 1) fermentação anormal, que leva à diminuição do pH ruminal e; 2) a presença de gordura insaturada na dieta. A primeira situação ocorre em função da falta de fibra efetiva ou excesso de concentrado na dieta. Já o excesso de gordura insaturada, leva ao acúmulo de um conjunto de compostos intermediários da fermentação da gordura no rúmen, chamados de ácido linoleico conjugado (CLA), os quais inibem a síntese de gordura na glândula mamária.

Assim, alguns pontos ligados à formulação da dieta e ao manejo alimentar, como: a relação volumoso/concentrado, o tamanho médio de partícula, a seleção de alimentos pelos animais, a inclusão de fontes de gordura insaturada e o uso de tamponantes, importantes para manter o funcionamento normal do rúmen e, por consequência, a manutenção de altos níveis de gordura no leite. A seguir, esses aspectos serão detalhados, para o melhor entendimento desses processos.


Relação volumoso/concentrado

A grande quantidade de concentrado em relação ao teor de volumoso da dieta pode levar à diminuição brusca no pH ruminal. Principalmente os grãos de milho (fonte de energia mais utilizada para composição de concentrados comerciais) possuem alta digestibilidade ruminal e, rapidamente, produzem elevada quantidade de ácidos, responsáveis pelo abaixamento do pH do rúmen. As bactérias celulolíticas, que são responsáveis pela digestão da fibra, têm sua atividade diminuída quando o pH do rúmen está abaixo de 6. Quando a digestão da fibra é afetada leva à menor produção de ácido acético e butírico, principais precursores de gordura no leite.

Observações de campo mostram que a maioria desses problemas são causados quando as vacas estão consumindo mais de 50% da MS da dieta na forma de alimentos concentrados. Geralmente, isso ocorre em duas situações: quando o volumoso é de baixa qualidade ou quando há escassez de forragem na fazenda.

Em relação à qualidade da forragem, a avaliação é feita em cima da concentração da fibra em detergente neutro (FDN). Quando o FDN da forragem está acima de 60% (característica de volumosos de baixa qualidade), sua fermentação se torna muito lenta e isso leva à diminuição do consumo total de MS. Ao tentar compensar a baixa qualidade do volumoso, muitas vezes, acaba-se excedendo a quantidade de concentrado da dieta, causando problemas à saúde do rúmen das vacas e diminuição do teor de gordura no leite. Por isso, a recomendação é que a quantidade de concentrado não extrapole a metade do total de MS consumida pelo animal, ou seja, a relação volumoso/concentrado deve ser de, no mínimo, 50:50.


Tamanho médio de partícula da dieta

Vacas mantidas em dietas com tamanho de partícula inadequado, geralmente, apresentam baixo teor de gordura no leite. Assim, parte da fração fibrosa da dieta deve conter tamanho de partícula adequado para que os processos de ingestão, digestão e passagem dos alimentos aconteçam de forma apropriada.  Essa fração, chamada de fibra fisicamente efetiva (FDNfe) tem como objetivo promover mastigação, salivação e manutenção do pH ruminal. A falta dela reduz a atividade mastigatória, a motilidade do rúmen, aumenta os riscos de acidose ruminal e diminuição da gordura do leite.

A avaliação do tamanho médio de partículas da dieta deve ser feita a cada duas semanas, assim como, toda vez que um novo ingrediente for adicionado à dieta ou um novo silo for aberto. O método utilizado nessa avaliação é chamado de “Penn State”. O objetivo é que: de 6 a 10% das partículas da dieta fiquem retidas na peneira de 19 mm (partículas longas), 45 a 55% retidas na peneira de 8 mm (partículas médias) e 35 a 45% das partículas fiquem retidas no fundo (partículas finas). Isso serve para garantir que valores entre 15 a 18% de FDNfe na dieta sejam alcançados.

Imagem mostra as peneiras medidoras das partículas de silagem, o que garante uma boa produção de gordura no leite, se feito da maneira correta


Seleção de Partículas

Vacas leiteiras têm preferência por alimentos concentrados e tendem a recusar as partículas mais grosseiras da dieta. Da mesma forma que o adequado tamanho médio de partícula promove a manutenção do pH ruminal, a presença excessiva de partículas longas (retidas na peneira de 19 mm) pode facilitar a seleção, levando ao consumo inadequado da dieta.

Outros fatores, além do tamanho de partículas, podem levar à seleção do alimento. Vacas conseguem separar melhor os alimentos em dietas mais secas. Assim, o monitoramento semanal da matéria seca dos volumosos é muito importante, uma vez que, ela altera a relação volumoso/concentrado da dieta. Outro fato importante é que: animais com maior frequência de alimentação ao longo do dia selecionam menos do que vacas que passam longos períodos sem se alimentar. Além disso, é importante que o espaçamento de cocho seja dimensionado de forma correta, pois linhas de cochos com espaço menor que 60 cm/vaca facilitam a competição entre os animais, e isso leva as vacas dominantes a consumirem uma dieta diferente das vacas não dominantes.

Todos esses fatores relacionados à seleção e tamanho de partículas, quando não manejados de forma adequada, levam ao consumo de maior quantidade de concentrado pelos animais. Isso aumenta os riscos de acidose ruminal, distúrbio diretamente associado a menores teores de gordura no leite.


Teor de gordura da dieta

O aumento da densidade energética, utilizando fontes de óleos e gorduras, é bastante comum em dietas para vacas leiteiras. Essa é uma forma econômica de fornecimento de energia aos animais, uma vez que, a gordura tem mais que o dobro da energia contida nos carboidratos e, geralmente, sua suplementação diminui os custos com a alimentação. Apesar disso, a inclusão excessiva de óleos e gorduras na dieta pode afetar a digestibilidade dos alimentos, tendo impacto não somente no teor da gordura do leite, mas também no consumo de matéria seca.

Outro ponto importante sobre a inclusão de gordura na dieta é que, os ácidos graxos insaturados, presentes em maior quantidade em alimentos de origem vegetal, como o caroço de algodão e na soja, são tóxicos aos microrganismos ruminais. Para eliminar essa toxidez as bactérias precisam transformar esses compostos insaturados em ácidos graxos saturados. Esse processo é chamado de biohidrogenação dos ácidos graxos insaturados. No entanto, sob condições de baixo pH ruminal e/ou excesso de gordura insaturada na dieta, as bactérias não conseguem realizar esse processo até o final e, como resultado, há acúmulo de compostos intermediários da biohidrogenação no rúmen, como o trans-10-C 18:1, também conhecido como ácido linoleico conjugado (CLA). A absorção do CLA, em nível intestinal, diminui a atividade de duas enzimas na glândula mamária, as quais são responsáveis pela síntese de ácidos graxos com menos de 16 carbonos e, como consequência, baixa o teor de gordura do leite.


Uso de Tamponantes

Tamponantes ruminais são muito utilizados nas dietas de vacas leiteiras. Eles têm por objetivo diminuir a variação do pH ruminal e manter o rúmen estável para que os processos de digestão aconteçam de forma normal. O bicarbonato de sódio é o tamponante mais utilizado e recomenda-se que sua suplementação seja entre 0,8 e 1,5% da MS da dieta. No entanto, o aumento do bicarbonato de sódio no sangue pode diminuir a concentração de magnésio circulante e, por isso, a suplementação com óxido de magnésio na dieta também é recomendada. O óxido de magnésio age como alcalinizante, e tem grande potencial de neutralizar os ácidos em excesso no rúmen. Além disso, nos últimos anos, pesquisas têm mostrado que a utilização de farinhas de algas, como fator alcalinizante, é outra opção que vem trazendo bons resultados. Isso acontece, pois sua ação tem o dobro do tempo e do potencial tamponante que o bicarbonato de sódio. A associação dessas fontes também vem mostrando resultados interessantes. Primeiro, pelo potencial em manter o rúmen estável por períodos mais prolongados de tempo e, depois, em função da diminuição da dosagem diária por animal.

É importante salientar que cada vez mais a indústria aumentará a cobrança em cima dos parâmetros de qualidade do leite (tanto microbiológica quanto pela composição). Em tempos que o preço pago pelo litro de leite está baixo, a bonificação pela concentração de sólidos pode ser um alívio para o bolso do produtor. Assim, o monitoramento de todos os processos que levam as vacas a produzirem leite, com alta concentração de gordura, pode trazer ótimos resultados e melhorar a saúde financeira da fazenda.

Nutrição Animal – Agroceres Multimix

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