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Recria dá salto triplo

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Esta imagem mostra bovinos em um pasto. A imagem pertence ao artigo com tema sobre recria de bovinos

Recria de bovinos: Pressionada pela engorda intensiva, ela ganha velocidade, eficiência e versatilidade, garantindo ao pecuarista o melhor dos prêmios: mais arrobas por hectare.

A pecuária bovina de corte está vivendo um processo de aceleração jamais visto no Brasil, com movimento dinâmico do topo (engorda) para a base (cria). Sistemas como o confinamento e a TIP (terminação intensiva a pasto) – que, segundo estimativas de especialistas, já abrangem cerca de 6,5 milhões de cabeças (quase 15% do abate nacional) – está forçando o encurtamento da recria de bovinos. Como os animais são terminados mais cedo, o produtor rapidamente esgota seu estoque de animais magros erados e passa a suplementar os bezerros pós-desmama, para que se desenvolvam rápido e possam substituir os lotes já enviados para abate. Há tempos, DBO observa (e registra) essa tendência, mas ela vem ganhando mais força nos três últimos anos, como mostram inúmeros projetos de recria intensiva espalhados pelo País. A mais negligenciada das fases da pecuária tornou-se o principal vetor de transformação da atividade. Executando um verdadeiro “salto triplo”, ela ganhou velocidade (está mais curta), eficiência (registra maior ganho) e versatilidade (adequa-se às demandas de diferentes sistemas produtivos).

Como bem salienta Gustavo Rezende Siqueira, pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio (Apta), de Colina, SP, e um dos “pais” do Boi 7-7-7, a recria de bovinos tradicional, que durava no mínimo dois anos, já não cabe no modelo moderno de pecuária. “Ela é morosa demais para quem está acelerando a terminação”, sinaliza. Justamente por isso, o movimento mais consistente de intensificação da recria tem ocorrido em fazendas que fazem TIP ou confinamento. Para Matheus Moretti, gestor técnico de bovinos de corte da Agroceres, os terminadores se convenceram de que a recria de bovinos precisava ser “turbinada” ao constatar a redução no peso de entrada do boi magro na engorda. Antes, os animais eram enviados para o confinamento ou TIP com mais de 400 kg aos 2,5 a 3 anos de idade, mas esse tipo de animal (boi magro) começou a ficar mais escasso (e caro), obrigando o terminador a trabalhar com garrotes cada vez mais jovens, que entram leves nas instalações.

“O período de engorda ficou mais longo, pois o confinador foi obrigado a terminar de recriar os animais no cocho, usando dietas de crescimento”, explica Moretti. Hoje, segundo ele, vê-se o mesmo fenômeno ocorrer na TIP: “As arrobas que poderiam ser produzidas a pasto, com menor custo, passaram a onerar a terminação. Trata-se de um indício claro de ineficiência e falta de consonância entre as fases produtivas. Para solucionar o problema, é preciso intensificar a recria de bovinos”.

Outro fator que está pressionando o encurtamento desta fase é a forte demanda dos frigoríficos por animais de abate mais jovens. Nosso principal importador, a China, compra apenas bovinos de até 30 meses de idade (2,5 anos). Esse “novilho-China”, animal commodity de padrão superior ao boi de pasto erado que normalmente se produz no Brasil, somente é obtido encurtando-se o ciclo. Segundo o pesquisador Pedro Henrique Rezende de Alcântara, da Embrapa de Palmas (TO), o avanço da agricultura sobre as pastagens, o estreitamento das margens da pecuária e o processo de sucessão nas fazendas são as principais molas propulsoras da intensificação da recria de bovinos, que exige uso de novas tecnologias e revisão de velhos conceitos.


Estratégias múltiplas

Na maioria das fazendas brasileiras, os bezerros emagrecem ou apresentam ganho mínimo nos cinco meses de seca que se segue à desmama, devido à falta de pasto. Esses 150 dias de escassez de forragem são o grande desafio da recria de bovinos. Para enfrentá-lo, os produtores já têm à disposição, como se verá nesta reportagem, uma série de ferramentas tecnológicas, como a suplementação mais pesada, pastos temporários de “inverno” vindos da integração lavoura-pecuária, irrigação de pastagens por pivô, “sequestro” etc.  Esse amplo portfólio de tecnologias tem garantido à recria maior eficiência e versatilidade necessárias.

“Defendo a intensificação da recria de bovinos já a partir da desmama, fornecendo aos animais um suplemento protéico-energético com aditivos por 60 dias, na proporção de 0,3% a 0,5% de seu peso vivo, para minimizar o estresse da separação da mãe ou o cansaço do transporte, no caso de animais adquiridos”, diz Washington Mesquita, da Intensiva Consultoria, de Goiânia, GO. A meta é ganhar, nesse período, em pastagens de qualidade, entre 700 e 800 g/cab/dia. A suplementação prossegue na seca, visando ganhos entre 500 e 600 g/cab/dia, para acelerar o desenvolvimento da carcaça. “Além de produzir arrobas mais baratas a pasto, pois o animal come menos engordando mais, a recria intensiva ajuda a aumentar o peso final, o que é ótimo. Hoje, todo mundo quer abater animais acima de 20 @”, diz.

Seja qual for a ferramenta escolhida pelo produtor para turbinar a recria de bovinos, ele enfrentará desafios operacionais e logísticos que exigirão comprometimento da equipe, estrutura para armazenagem de insumos (adubo, ração, silagem etc), adequação de instalações como cochos, cercas, bebedouros e maquinário para distribuição de ração no pasto. Os especialistas ouvidos por DBO são unânimes ao afirmar que essa empreitada requer planejamento nutricional, por isso é fundamental contar com orientação técnica. “É preciso entender a curva de crescimento do bovino para saber até onde tratá-lo. Se ele comer ração à vontade, não apenas ganhará peso, mas acumulará gordura, o que é indesejável”, afirma Gustavo Rezende, da Apta.

Segundo ele, os projetos de intensificação precisam considerar os dois “aceleradores” de crescimento na recria de bovinos: a oferta de capim e o custo da ração. A definição da melhor estratégia passa pela genética do bovino e seu histórico de nutrição. “A partir dessas variáveis, desenhamos um protocolo para explorar ao máximo seu potencial de ganho”, diz.  DBO foi a campo conferir os pecuaristas que estão enfrentando os desafios logísticos e zootécnicos da intensificação da recria de bovinos. Veja exemplos a seguir.


Bois com prazo de validade

Estas imagens mostram bovinos se alimentando e dentro de um espaço, as imagens pertencem ao artigo onde o ponto chave é a recria de bovinos
A Terminação Intensiva a Pasto (na foto à esquerda) é um dos fatores que está impulsionando a intensificação da recria (à direita), pois acelerou o giro do gado na fazenda, elevando a demanda por animais de engorda.

O produtor Jorge Schinoca, dono da Agropecuária Schinoca, localizada no município de Jaciara (MT), distante 140 km da capital Cuiabá, recorreu à agricultura e à suplementação para intensificar a recria, reduzindo sua duração pela metade. Adepto do ciclo completo, Schinoca tem duas propriedades, ambas em Jaciara, distantes 40 km uma da outra. Na primeira propriedade, faz apenas cria. Na segunda, dedica-se tanto à agricultura quanto à pecuária, reservando 2.300 ha para cultivo (melhores glebas) e 1.100 ha para pastagens (solos arenosos), que abrigam animais de recria/engorda e um pouco de cria. Há 20 anos, por conta de uma parceria de Schinoca com um invernista da região, os bezerros desmamados eram recriados e terminados em “terras de bacuri”, como diz o produtor, referindo-se a uma palmeira considerada indicativa de solo fértil. “Após o fim da sociedade, fui obrigado a engordar boi na areia e tive de montar uma estratégia para viabilizar meu projeto. Comecei reformando os pastos com ajuda da lavoura”, conta Schinoca.

Ao mesmo tempo em que a agricultura ia reformando as pastagens degradadas, o produtor passava a usar grãos para terminar os bois no pasto. “Isso aumentou muito nossa capacidade de engorda”, relembra. Com comida para tratar um número maior de animais, Schinoca foi às compras no mercado local, mas não gostou do resultado. Os bois adquiridos com mais de três anos e fechados por 120 dias nas instalações de  TIP apresentaram baixo rendimento de carcaça. Segundo Gustavo Rezende, da Apta, trata-se de um problema corriqueiro na terminação: “Hoje, dificilmente se encontra bons animais com 13-14@ prontos para engorda”. Na visão do pesquisador, esse gargalo também estimula a intensificação da recria de bovinos. “É mais fácil encontrar bezerros com 6 @ e recriá-los até o peso desejado. Dá maior flexibilidade no momento da compra, porque amplia o leque das opções”, diz. Para Schinoca, a frustração na engorda de bois magros adquiridos mostrou que a saída era fazer sua própria matéria-prima.


Estratégias de recria

Os bezerros da empresa (Nelore e 1/2 sangue Angus) são desmamados com oito meses de idade e peso médio de 223 kg. Em seguida, são levados para as pastagens perenes já reformadas (e adubadas) ou para “pastos safrinha”, plantados após a colheita dos grãos. “Isso depende do ano e da oferta de comida que temos”, diz Schinoca. Nas áreas de ILP, o capim, consorciado com milho é plantado no mês de fevereiro, em sucessão à soja, e fica pronto para pastejo a partir de junho. Os garrotes ficam nesse tipo de pasto de 70 a 80 dias (até setembro), quando a área é desocupada para novo cultivo.

Durante toda a recria, os animais recebem suplemento na proporção de 0,5% a 1% do peso vivo, dependendo da condição da pastagem. “Se a qualidade do capim está ruim, os animais comem mais concentrado. Da desmama, no final das águas (maio), ao final da recria, no início do período chuvoso seguinte, a média é de 0,75% do PV”, diz Neimar Urzedo, gerente de bovinos da Agroceres, que presta assistência à propriedade. O suplemento usado pela Agropecuária Schinoca é chamado pelos técnicos de “ração de consumo controlado”, porque contém um limitador de ingestão, mas, no campo, ela é mais conhecida como “ração amarga”. Além do limitador de consumo, o produto contém milho ou sorgo moídos (produzidos na fazenda), farelo de soja, DDG (quando disponível), caroço de algodão e núcleo mineral. A mistura é batida na fábrica de ração do produtor.

Em 2019, o consumo diário durante a recria de bovinos foi de 2,32 kg de ração/cab, com ganho de 911 g/cab/dia, em média, o que permitiu à Agropecuária Schinoca produzir 7,43@/cab em 226 dias (7,5 meses). Há oito anos, antes da recria intensiva a pasto (RIP), os animais ganhavam 496 g/cab/dia e o produtor obtinha 7,19@/cab, porém ao final de 435 dias (14,5 meses). “Gastávamos o dobro do tempo para obter a mesma produção de hoje”, salienta Urzedo. Apesar de ter alcançado as 7 @ na recria de bovinos preconizadas pelo conceito Boi 7-7-7, o zootecnista enfatiza que o resultado da intensificação deve ser medido por área, não apenas por animal. “É preciso melhorar o desempenho individual para ganhar no giro e encurtar a recria, mas aumentar a suplementação sem elevar a lotação, por meio da adubação, por exemplo, pode não fechar a conta”, diz.


Pastejo alternado

Na Agropecuária Schinoca, a recria de bovinos ocupa uma área de 383 ha, divididos em 16 piquetes, manejados de forma alternada, com 10 a 15 dias de uso e 15 a 20 de descanso por pasto. Segundo Urzedo, o sistema alternado se adequa melhor à recria intensiva a pasto com uso de “ração de consumo controlado”, pois, no rotacionado, que costuma ter um período curto de ocupação, os animais privilegiam o capim em detrimento do concentrado quando entram no piquete, devido à maior oferta de folha, e invertem esse comportamento quando estão prestes a sair, em função da predominância de caules. Isso provoca um descompasso na ingestão de capim e ração. “O rotacionado potencializa a lotação, mas o ganho individual é prejudicado. Já o alternado garante proporção mais homogênea entre caule e folhas. A ingestão de capim e suplemento se torna mais equilibrada, o que permite explorar tanto o ganho por área quanto por animal”, explica Neimar.

No ano passado, a Agropecuária Schinoca recriou 1.667 novilhos, com taxa de lotação de 4,35 cab/ha. A produtividade alcançou expressivas 32,3 @/ha/ano, ante 13,7 @/ha em 2012. A recria de bovinos termina quando os garrotes atingem, em média, 430 kg. A partir daí são transferidos para os módulos de TIP (83,5 ha), quando tem início um novo protocolo nutricional, direcionado à engorda. “Intensificar a recria só faz sentido se o produtor tiver um planejamento para terminação. Do contrário corre o risco de acelerar e depois ter de tirar o pé. Ou seja, perde o dinheiro gasto na fase anterior”, alerta.

Para Schinoca, esse conceito está sintetizado em uma frase que ele gosta de repetir: “Meus bois já nascem com prazo de validade”. Em 2019, na etapa final da engorda, o consumo de ração ficou em 2,09% do peso vivo, o equivalente a 10,8 kg/cab/dia. Mais precoces, os bois meio-sangue Angus costumam sair do pasto direto para o frigorífico. Já os Nelore são fechados no confinamento, mas por um período bastante curto, no máximo 40 dias, apenas para depositar gordura na carcaça. São abatidos aos 20,6 meses com 21-22 @, apresentando no gancho rendimento de carcaça de 57%.

Todo projeto que faz recria e engorda intensivas a pasto requer adequações na infraestrutura ou na logística de distribuição do suplemento. Tratar os animais com regularidade é considerado pelos técnicos um dos pontos mais desafiadores da intensificação, por isso é essencial encaixar essa tarefa na rotina da equipe e conscientizar os funcionários sobre sua importância para o sucesso da empreitada. Na Agropecuária Schinoca, os ingredientes da ração são misturados a granel, dentro do galpão de armazenagem, com o auxílio de uma pá-carregadeira. Não há sacarias nem bags. Os corredores que dão acesso aos piquetes são largos para permitir o fácil deslocamento do trator que puxa uma calcareadeira adaptada, responsável por distribuir a ração. “Trata-se de um implemento de custo mais baixo; é uma distribuidora, não um vagão que mistura”, frisa Urzedo.

Jorge Schinoca ao lado de Neimar Urzedo, da Agroceres. Imagem que pertence ao artigo com foco em recria de bovinos
Jorge Schinoca ao lado de Neimar Urzedo, da Agroceres: “Meus bois ganham 7,43@ por cabeça em apenas 7,5 meses.

Como a ração utilizada na recria é de consumo modulado, ou seja, sua ingestão varia conforme a oferta e qualidade da forragem disponível, não há necessidade de abastecer o cocho diariamente. O fornecimento pode ser feito de duas a três vezes por semana. Além da inegável vantagem logística (e da economia de óleo diesel), o abastecimento mais espaçado permite organizar a tarefa dentro dos dias úteis de trabalho da equipe, livrando domingos e feriados, o que reduz gastos com horas extras. Para que essa flexibilidade seja exequível, no entanto, o cocho precisa ter capacidade suficiente para estocar comida por dois a três dias. Por esta razão, eles possuem uma “boca” mais larga e são mais profundos.

A metragem também é diferente. O cálculo é de 10 animais por metro linear, o que significa uma redução de 60% no tamanho da linha de cocho em relação à metragem utilizada para proteinado, por exemplo, que prevê 4 animais por metro linear. Além da economia com infraestrutura, Urzedo ainda cita outra vantagem. O consumo é pouco influenciado pelo comportamento de dominância que se estabelece dentro dos lotes. “Como o produto fica disponível o dia inteiro, os animais não precisam chegar simultaneamente no cocho. Desse modo, tanto os dominantes quanto dominados (retardatários) consomem por igual, o que permite ao lote todo ganhar peso de maneira mais uniforme”, explica.

A imagem mostra bovinos no pasto. Esta imagem pertence ao artigo com foco em recria de bovinos


Recria intensiva de fêmeas

Além de acelerar a engorda dos machos, a intensificação permitiu à Agropecuária Schinoca otimizar a suplementação que as bezerras recebiam ao pé da vaca, em sistema de creep-feeding. Até o ano passado, o efeito desse aporte nutricional era subaproveitado na fase seguinte pelas fêmeas, que seguiam para o rotacionado recebendo apenas suplemento protéico. Os machos, por sua vez, desmamavam e já entravam no protocolo de recria intensiva a pasto (RIP), dando sequência à curva crescente de crescimento. “Era um grande problema; gastávamos com creep, já que não se aparta machos de fêmeas ao pé da vaca, e depois as novilhas ficavam no pasto por um ano até atingir peso adequado para inseminação”, relata o zootecnista Neimar Urzedo.

Neste ano, a estratégia mudou. As bezerras recém-desmamadas seguem o mesmo protocolo dos machos até atingir 260-270 kg/cab, quando ficam prontas para entrar em reprodução, como precocinhas. “Aquelas que emprenham continuam sendo suplementadas, mas em nível inferior ao dos machos. As vazias são submetidas ao mesmo protocolo nutricional dos garrotes até atingir peso ideal para abate”, informa o técnico. A fazenda tem conseguido prêmio sobre a arroba dessas fêmeas, que são abatidas com menos de quatro dentes definitivos, pesando em torno de 16 @. “Foi uma forma que encontramos para aproveitar o investimento feito no creep. Poucos produtores que intensificam atentaram para essa estratégia”, diz Urzedo.

*Texto completo na Revista DBO – Edição 473- Março de 2020

Autor: Renato Vilela, Revista DBO.

 

Nutrição Animal – Agroceres Multimix

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