Mercado: Lições de 2017
Após o tão esperado final de 2017, finalmente começamos a romper 2018. Nesse ano que passou, foram inúmeros os fatos que nos marcaram de forma negativa, não só no setor produtivo da carne, mas o país como um todo. Ao longo do ano, tivemos pelo menos quatro eventos que exerceram forte pressão negativa na remuneração da arroba: operação carne fraca, volta do Funrural, delação dos irmãos batista e paralisação de abate em algumas plantas frigoríficas, principalmente no MS. O resultado de cada evento desse foi o impacto direto no preço do boi gordo, o que também forçou a queda da reposição e trouxe uma incerteza muito grande no mercado, em todos os seguimentos: cria, recria e engorda.
Esse cenário foi o suficiente para desanimar o produtor, sendo que várias operações “tiraram o pé” do acelerador, desmotivados pelas incertezas econômicas. A queda no valor da arroba influenciou diretamente a intenção de fechar o gado no cocho, que desacelerou a reposição, forçando o preço do bezerro para baixo, desestimulando o criador a fazer aporte de capital no seu negócio. Como todo momento de aperto, muitos buscaram cortar custos, e aqui cabe a primeira indagação deste texto: será que as medidas tomadas foram realmente certas?
No final do ano, em função do encurtamento das escalas de abate, houve uma recuperação do preço da arroba, fechando 2017 com valor muito próximo ao observado no início do ano. O indicador Cepea do boi gosto, fechou o ano com média de R$138,81, valor este 9,2% abaixo do observado em 2016, que apresentou uma média de R$ 152,90. Da mesma forma, o bezerro fechou o ano com valor 12,1% abaixo, na comparação ano a ano, com valor médio de R$1.152,48, ante R$1.311,29 em 2016.
Sem sombra de dúvida, em um ano como esse, são inúmeros os estímulos para bloquear qualquer forma de investimento. No entanto, devemos aproveitar a ocasião para nos questionarmos sobre as medidas tomadas, e ponderar: estamos olhando para o lugar certo? Devemos aproveitar o momento para refletir sobre os erros e aprendizados que 2017 nos permitiram.
Apesar da obrigatoriedade de estarmos sempre antenados a tudo o que acontece porteira a fora, um problema nasce quando o produtor toma sua decisão baseado somente em aspectos externos, uma vez que, dificilmente ele conseguirá mudar essas “cartas do jogo”.
Imagine a cena: o produtor entrando em contato com o frigorífico e informando que ele precisará pagar R$10 a mais por arroba, caso contrário a sua conta não irá fechar? Ou ainda, informando o comprador de bezerro que esse ano venderá os animais a um valor superior ao de mercado, pois seu custo de produção aumentou?
Provavelmente não haverá sucesso em nenhuma destas alegações. Como dito, fatores externos à fazenda são controlados pelo mercado e dificilmente o produtor conseguirá ter influência sobre eles.
De forma contrária, aquilo que acontece “dentro de casa”, e está diretamente ligado à fazenda, pode ser 100% controlado de acordo com o planejado.
Durante 2017, foram várias as situações em que produtores desestimulados e amargurados com as quedas de preço, alegavam que a conta NÃO fechava. Esse mesmo produtor, ao ser questionado sobre o seu custo de produção, não sabia a resposta. Nesse ponto surge o maior problema: tomar decisões baseadas no mercado porteira a fora, e não conhecer os números porteira a dentro.
O objetivo, com o exposto até o momento, não é discutir se a conta fechou ou não ano passado, mas sim apontar que, antes de mais nada, conhecer os indicadores (zootécnicos e econômicos) gerados na fazenda é fundamental em qualquer projeto pecuário. Sem isso, qualquer tomada de decisão é muito subjetiva e susceptível ao mercado.
Em qualquer roda de conversa, um dos assuntos mais discutido é o preço de venda, pouco ou quase nunca se discute custo de produção. Para piorar – quando colocado em pauta – esse tema segue a filosofia de corte de desembolso, negligenciando o fato de que, cortes equivocados podem comprometer a receita, pelo fato de diminuir o desempenho do animal (ex.: GMD, prenhez). A ideia de baixar custo deve ser pautada na intenção de aumentar a produção a partir do investimento em tecnologia, podendo até aumentar o custo da unidade produzida (em vários casos ele diminui), porém, pelo crescimento de produtividade, ocorre o aumento no lucro por área.
Esse raciocínio pode ser aplicado às diferentes fases do sistema de produção: cria, recria e engorda. Para ilustrar, vamos seguir com um raciocínio envolvendo a área de cria.
Da mesma forma que o boi gordo, em 2017 vimos o bezerro cair de preço. Desmotivado, o criador não teve coragem de investir na nutrição da vacada, que, somado a seca de 2017, refletiu em escores à parição muito ruins. Esse mesmo produtor, em qualquer conversa, sempre estava reclamando sobre o mercado e apontando as quedas no preço do bezerro. Quando questionado sobre o custo do bezerro que ele estava desmamando, qual a resposta?
Como já mencionado, se fizermos um panorama, com certeza ficaremos desanimados com o mercado, correndo o risco de tomar decisões equivocadas. O grande aprendizado deixado por 2017 é: saber que, sempre, precisamos olhar primeiramente para dentro, e nesse caso, questionar qual o custo do bezerro desmamado e qual – ou quais – fator influencia esse custo?
Vejamos:
Considerando, de maneira bem simplista – praticamente uma conta de “papel de pão” –, alguns números para calcular o custo do bezerro desmamado, temos que: basicamente, o que compõe o custo do bezerro é o custo da vaca, sendo assim, devemos somar os custos anuais gastos por matriz: pasto, nutrição, sanidade, reprodução, mão de obra, entre outros (Figura 2 – direita). Aqui, cada um chegará a um valor, sendo que, no exemplo, o valor obtido foi de R$ 600/ vaca/ ano. Se fosse possível uma taxa de desmame de 100%, ou seja, para cada 100 vacas, desmamar 100 bezerros, o custo do bezerro desmamado seria de R$ 600. A conta aperta quando pensamos que, no Brasil, taxa de desmama de 60% é uma realidade, sendo assim, os custos das 100 vacas passam a ser pagos por 60 bezerros, o que resulta em um custo de bezerro desmamado de R$ 1.000, e aí a conta aperta.
Aqui, quero chamar atenção para a opção de controlar os números e buscar índices melhores, uma iniciativa que cabe a cada um. Através deste simples exemplo podemos perceber que “CARO” não é investir em nutrição para melhorar escore de vaca ao parto, ou condição nutricional durante a estação, nesse caso, “CARO” é a vaca ficar vazia e não emprenhar.
Note que, dependendo dos custos da fazenda, 50 a 70% do custo deste animal é composto pelo pasto, e 10 a 15% é composto pela nutrição trabalhada ao longo do ano. Ou seja, se a vaca não emprenhar, o principal componente de custo dela na fazenda – o pasto – não será pago.
O interessante é que, com pouco investimento nutricional ao longo do ano é muito fácil melhorar os números reprodutivos da fazenda, o que impacta muito pouco no custo final do bezerro. Mais uma vez, olhar para o lugar errado resultará em cortes (de despesa) errados, comprometendo a reprodução, diminuindo o número de bezerros e inflacionando o custo de produção. Nesse cenário, o produtor vira refém de mercado, no qual, pequenas oscilações de preço afetam muito o seu negócio.
Da mesma forma que desenvolvemos este raciocínio para a fase de cria, podem ser feitos cálculos para a recria e engorda, neste caso, se pergunte: qual o custo da arroba engordada? Qual o custo da arroba adicional obtida com determinada tecnologia? Quanto essa ação vai permitir de aumento de receita (e lucro) por hectare?
Por fim, o ano de 2017 está longe de ter sido o melhor ano da pecuária, mas quem se planejou, fez conta, pôde aproveitar oportunidades de mercado, efetivando o que tinha que ser abatido e trocando o estoque caro que vinha sendo carregado desde 2016. Oportunidades só podem ser aproveitadas quando sabemos olhar para fora, mas conhecendo muito bem o que estamos produzindo.
Boa tarde, Matheus. Parabéns pela abordagem. Atingidas muitas fronteiras agrícolas e com a redução da quantidade e qualidade das pastagens, dado o “extrativismo” desmesurado, é imperioso que o produtor tenha uma visão empresarial, conhecendo seu negócio, os pontos de controle, pontos críticos de gerenciamento, oportunidades de melhoria. Certamente, será necessário aliar a todos outros apontamentos e acompanhamentos de índices zootécnicos, avaliações financeiras complementares. Decerto, por vezes, o mercado leva a pressões extremas sobre a lucratividade, por outro, seleciona os profissionais de “gigolôs”
Otimo conteudo Matheus. Os desgovernantes irresponsaveis, desmontaram a EXTENSÃO RURAL no Brasil e por esse e outros tantos fatores temos o segundo maior rebanho bovino do planeta terra, mas com uma produtividade baixissima. O grande desafio é fazer chegar porteira a dentro tantas informaçoes importantes que a pesquisa publica e privada dispoe. So assim, acredito, teremos muitos produtores que saberão olhar porteira a fora, sabendo o que estão produzindo.