Antes de iniciar a leitura deste texto, gostaria de pedir que faça uma pausa e imagine um pasto na seca, que foi diferido, pronto para ser pastejado. Qual a imagem que vem a sua cabeça? Ou melhor, qual o pasto que você gostaria de estar imaginando?
Muito do que vamos discutir, servirá para desmistificar que pasto na seca é sempre ruim. Quando afirmo isso, não quero dizer que o pasto na seca será melhor do que o de águas, apenas quero salientar que existem alternativas para obter melhores resultados a partir de ações simples de manejo que visam a qualidade do pasto na seca.
A primeira pergunta que você deve estar se fazendo é: mas como manejar o pasto na seca, se o crescimento da planta nesse período é praticamente nulo?
Esse é um questionamento correto. No entanto, o manejo do qual me refiro especifica as ações que devem ser praticadas na fazenda, na fase anterior a seca, ou seja, vamos discutir sobre o manejo do diferimento, e como ele pode influenciar a qualidade do pasto e o desempenho dos animais.
Via de regra, a técnica do diferimento é uma estratégia para acumular forragem durante o período das águas para tratar dos animais nos meses em que a produção de forragem é comprometida. Já abordamos em outro artigo vários pontos relacionados ao diferimento, sendo assim, não me prenderei aos detalhes da técnica neste texto.
Pela lógica, desde que as condições ambientais e climáticas não sejam limitantes, quanto maior o tempo de diferimento, maior será a massa de forragem acumulada. Podemos observar na figura 1 a massa de forragem obtida a partir de diferentes tempos de diferimento. Pela a análise dos resultados, fica claro que a massa de forragem com ± 150 dias de diferimento é quase o dobro da massa de forragem com ± 70 dias.
Se você tivesse que escolher um dos pastos acima, qual deles seria? Ou em qual deles você acredita que o ganho médio diário (GMD) dos animais (pensando em uma situação de mesma lotação) seria maior?
A quebra de paradigma nesse ponto é, em se falando de pasto diferido, a ideia de quanto “mais melhor” não se aplica ao pé da letra, vejamos o porquê.
Sabendo que o animal tem predileção por consumir folhas, e que esse é o componente de maior valor nutritivo da planta, a quantidade de folhas (verde e seca) presente na massa acumulada é o maior fator de impacto no ganho de peso dos animais.
Dito isso, ao fazer uma nova análise da massa de forragem obtida com os diferentes tempos de diferimento, porém avaliando quais estruturas da planta compõem essa massa, vemos que a quantidade de folha, praticamente, não se altera nas quatro situações (Figura 2). Esse efeito de maior acúmulo de colmo em pastos diferidos por mais tempo ocorre pela competição por luz entre as plantas vizinhas, que resultam no alongamento dos colmos.
Seguindo com nosso raciocínio, outro ponto que devemos ter em mente é que a estrutura do pasto (relação folha: colmo e forma que a planta se apresenta ao pastejo) está diretamente relacionada ao consumo de matéria seca do animal e, consequentemente, o seu desempenho. Para ilustrar, imagine um animal pastejando e o movimento que ele faz para apreender a forragem. Agora pense em duas situações distintas: um pasto com muito colmo e muita inflorescência e; outro que – apesar de seco – conta com maior proporção de folhas do que o anterior. Em qual deles o consumo do animal será maior?
Saiba que, quanto mais fácil for a formação do bocado do animal, maior será o consumo de matéria seca. Desse modo, um pasto diferido por menos tempo tende a apresentar maior proporção de folhas (melhor estrutura), o que favorecerá o consumo do animal.
No entanto, se esse animal não for suplementado, provavelmente não apresentará bom ganho de peso, uma vez que a quantidade de proteína na forragem seca é baixa e limita os processos fermentativos no rúmen. Sendo assim, os animais devem ser suplementados para que a forragem consumida seja melhor aproveitada. Existem várias opções de suplementos a serem utilizados durante a época do pasto na seca, porém como o foco do assunto neste texto é sobre a qualidade do pasto diferido, vamos deixar para discutir sobre os tipos de suplementação em outro momento.
Quando avaliamos o desempenho dos animais suplementados em pastos resultantes de tempos diferentes de diferimento (Figura 3), podemos observar que o GMD dos animais nos pastos diferidos por menor período de tempo foi 77% superior ao pasto que ficou mais tempo diferido, o que demonstra claramente o efeito de todos os pontos aqui citados sobre o desempenho dos animais.
Cabe destacar que o consumo de suplemento foi o mesmo nas três situações apresentadas – ± 0,600 kg/dia – sendo o efeito observado no GMD diretamente relacionado à qualidade da massa produzida a partir do diferimento.
No intuito de ressaltar a importância do exposto até o momento e provocar um pouco mais você, leitor, se assumirmos o custo do pasto como sendo R$ 20,00 por cabeça no mês, e o desembolso com a suplementação algo em torno de R$ 0,90 por cabeça por dia, o desembolso diário – considerando somente estes dois aspectos – seria de R$ 1,56, o que exigiria um GMD de 0,347 kg/dia para pagar a diária do animal na fazenda – considerando uma arroba de R$ 135 ou R$ 4,5 kg. Nesse exemplo, o lucro bruto diário obtido nos pastos diferidos por mais tempo seria de R$ 0,19 [(0,390 kg/dia – 0,347kg/dia) * R$ 4,5], enquanto nos pastos diferidos por menor tempo seria de R$ 1,55 [(0,692 kg/dia – 0,347 kg/dia) * R$ 4,5 ], ou seja, um lucro bruto oito vezes maior, possível de ser obtido por uma ação que não custou nada a mais para a fazenda. Esses números destacam ainda mais a importância do bom manejo de diferimento.
Para finalizar, um último ponto que gostaria de destacar é sobre a eficiência de pastejo dos animais, ou seja, a qualidade de colher o que foi produzido. Já vimos que pastos diferidos por maior período de tempo apresentam maior quantidade de colmo em relação aos pastos diferidos por menores períodos (Figura 1). Quanto mais alto for o pasto, mais sensível ele é à ação de pastejo dos animais, uma vez que, com o deslocamento e pisoteio, pastos mais altos tendem a tombar e acamar, refletindo em menor eficiência de pastejo (Figura 4).
Nesse caso, além de refletir em menor desempenho dos animais, um pasto com estrutura ruim – com muito colmo -, tende a ser menor aproveitado, o que acarreta em aumento das perdas econômicas associadas ao período seco.
Para concluirmos, fica evidente que apesar de ser um período de baixo ganho de peso dos animais, para enfrentar a seca, o manejo do diferimento pode alterar a qualidade da massa de forragem produzida, refletindo diretamente na produção de arrobas por hectare da fazenda. Nesse sentido, o diferimento deve ter como meta: produzir alimento para ser utilizado durante a seca, no entanto, o cuidado com o “tipo” de forragem acumulada fará total diferença nos resultados obtidos.
Lembre-se:
O diferimento é uma técnica de baixo custo e, teoricamente, fácil de ser implementada. Porém, apesar de parecer simples, vários fatores podem influenciar a qualidade do pasto diferido.
Existem alguns pontos que devem ser considerados no momento de tomada de decisão, como: quando os animais vão ser retirados da área; qual a situação do pasto na ocasião do diferimento; quais as condições climáticas durante o período de diferimento. Essas ações não envolvem custos, porém demandam muito conhecimento da área a ser trabalhada. Aqui me arrisco a dizer que 90% do sucesso da técnica está relacionada a essas ações de manejo.
Otimo artigo. muito obrigado. parabens por mais essa iniciativa. estamos ampliando nossos conhecimentos. Vou aplicar nas propriedades que assisto. MOACIR GOMES. – STA MARIA DA VITORIA BAHIA.
Bom dia Matheus
Ouvi sua palestra juntamento com o Gilson Dias em Brasília/DF , milho reidratado.
Após analise superficial do caso em questão preocupei com a formação dos gases acumulados no rúmen podendo provocar timpamismo e até uma torção do abomaso, mesmo apos o período de adaptação. Diante desse fato como deve proceder o produtor?
Olá, Godevino!
A formação de gases e deslocamento de abomaso são distúrbios que não estão normalmente associados a ingredientes específicos. Esses distúrbios estão mais associados a problemas, como: falhas de manejo, outros distúrbios e problemas no periparto (retenção de placenta, metrite, hipocalcemia, etc.). Ou seja, independentemente se a fonte é milho moído fino, grão úmido ou milho reidratado, a correta formulação das dietas, utilizando esses ingredientes, assim como, o correto manejo e formulação, é de suma importância para que o sucesso produtivo seja alcançado.
Espero ter lhe ajudado.
Abraço!
Ola Matheus muito bom seu artigo e agradeço imensamente pelas excelentes explicações.
Sou estudante de Medicina Veterinária e faço parte de um grupo de pesquisa denominado GPBov (Grupo de Pesquisa de Bovinocultura) estamos situados na cidade de Brasilia-DF e ficaríamos honrados de ter uma palestra ministrada por voce .
Aguardamos anciosamente pelo seu retorno e agradeço pela oportunidade. Obrigado
Olá, Marcio!
Muito obrigado pelo seu comentário, fico muito feliz em contribuir de alguma forma. No dia 06/05 estarei em Brasília palestrando no “I Seminário de Bovinocultura de Corte do DF e Entorno”. Acredito que a divulgação do evento deva começar em breve.
Abraço!