Uso de Gordura na Dieta
Nesse artigo vamos falar de Uso de Gordura na Dieta… Uma simples análise do padrão de acabamento dos animais que enviamos para o abate permite concluir que o consumo de energia na fase de engorda é uma das grandes limitações do nosso sistema de produção. Tomando como base os dados dos últimos 3 anos do farol da qualidade do pessoal da JBS, do total de animais abatidos no Brasil central, 63% apresentaram acabamento de carcaça escasso. Esse número piora quando analisamos somente os animais produzidos a pasto (97%). No caso de sistemas de produção a pasto, o baixo acabamento de carcaça é esperado, pois na maioria das vezes os animais estão consumindo dieta escassa em energia, porém, vemos que, mesmo o rebanho terminado em confinamento (83%), uma quantidade considerável de carcaças apresentam acabamento de gordura escassa, evidenciando a lacuna energética presente nesta fase.
Farol da Qualidade (Machos) – Programa de tipificação de carcaças JBS
O grande paradigma a ser quebrado é: colocar gordura na carcaça não é necessariamente agregar valor ao frigorífico. Precisamos entender que, até determinado ponto, incrementar a deposição de gordura permitirá explorar melhor a carcaça do animal, otimizando assim o rendimento final. Sobre essa ótica, o desafio que enfrentamos para atingir peso de carcaça com acabamento desejado, é o consumo de energia do animal, principalmente na fase de terminação.
Nesse contexto, o adensamento energético da dieta se torna uma ferramenta para explorar melhor a carcaça do animal, sendo as estratégias mais comumente utilizadas: o aumento de alimentos concentrados energéticos como milho e sorgo, ou ainda, o processamento desses grãos. No entanto, dependendo da inclusão de concentrado na dieta e do manejo operacional do confinamento, essas duas estratégias aumentam a possibilidade de distúrbios metabólicos como a acidose, causando efeito contrário ao desejado no desempenho dos animais.
Dentro das opções existentes, o uso de produtos que possuem elevados teores de extrato etéreo, (gordura; lipídeo) em sua composição, vêm tomando cada vez mais espaço nas formulações, com o intuito de elevar a energia da dieta.
Sobre o ponto de vista produtivo, o uso de fontes ricas em gordura permite elevar o aporte energético das dietas, resultando em incremento no desempenho dos animais. Isso acontece porque as gorduras fornecem 2,25 vezes mais energia que os carboidratos e proteínas, sendo uma estratégia utilizada para “adensar” as dietas em situações em que já existe limite de inclusão de alimentos ricos em carboidratos, ou ainda, quando há o desafio para atingir o consumo MS desejado.
Apesar de ser uma ótima fonte de energia, o uso de gordura nas dietas é limitado, uma vez que, as fontes permitidas afetam negativamente os microrganismos ruminais, comprometendo os processos fermentativos. Existem duas hipóteses que explicam o efeito negativo das gorduras aos microrganismos e consequente redução da digestão da fibra: a) efeito químico: toxicidade sobre as bactérias celulolíticas e metanogênicas; b) físico: recobrimento das partículas de alimento, dificultando a adesão das bactérias. Existem evidências apontando o efeito químico como preponderante, já que a inclusão de volumoso nas dietas de animais confinados tem sido cada vez menor. Temos ainda que, quanto mais insaturada a gordura, mais tóxica ela será para os microrganismos ruminais.
No Brasil, as fontes de gorduras utilizadas nas dietas de bovinos de corte são de origem vegetal, já que desde 2004 houve a proibição do uso de produtos de origem animal na alimentação de ruminantes (Instrução Normativa nº 8, de 25 de março de 2004). Visto que os óleos em sua forma natural apresentam efeito tóxico para as bactérias do rúmen, as fontes comumente utilizadas são as que apresentam algum tipo de proteção, como as sementes de oleaginosas (soja, algodão, girassol e linhaça), os resíduos ricos em óleo, como a torta de algodão, e a gordura protegida da degradação ruminal (sabões de cálcio). Devido a estrutura do óleo nesses insumos (protegido), essas fontes minimizam os efeitos sobre a fermentação ruminal, permitindo limites de inclusão superiores aos praticados normalmente.
As inclusões de lipídeos mais usuais nas dietas de bovinos são de 4 a 6% na matéria seca, sendo que inclusões acima de 7% da MS poderiam causar danos à fermentação ruminal (SULLIVAN et al., 2004; KOZLOSKI, 2011). Contudo, em regiões de altas temperaturas, a suplementação com 8 a 10% de gordura na MS tem sido empregada com sucesso, pois o consumo nessas regiões, geralmente, é comprometido (PALMQUIST e MATTOS, 2011). Um levantamento realizado nos confinamentos brasileiros conclui que a inclusão média de gordura nas dietas é de 5,0% (% MS) e no máximo 6,6% (%MS), sendo a fonte mais utilizada (72,5%) o caroço de algodão (Pinto e Millen, 2016).
O caroço de algodão destaca-se como mais utilizado nas dietas de confinamentos, em razão de seu elevado teor de lipídeos (20%) e por contribuir com fibra efetiva e proteína bruta nas dietas. Porém, alguns grupos de pesquisa levantam a hipótese de que: quando utilizado em elevadas quantidades, e por períodos mais longos, pode deixar sabor não agradável na carne, causando rejeição pelo consumidor e diminuindo o tempo de prateleira do produto. Ainda não há nada conclusivo, mas alguns programas de carne não aceitam animais que tenham consumido caroço de algodão na fase de terminação, para evitar esse tipo de problema.
Com essa possível limitação do uso de caroço de algodão, outra opção que se destaca é o grão de soja integral (20% de lipídeos em sua composição). Seu uso ainda é limitado devido ao preço, dependendo da safra e da região, compensando comprar o farelo em vez do grão integral. Ou ainda, para quem produz, muitas vezes compensa vender o grão e comprar o farelo de soja. Em regiões próximas às beneficiadoras de grãos, uma alternativa para a utilização do grão integral de soja, são aqueles que foram desclassificados. Esses ainda apresentam boa composição nutricional, com preço acessível, tornando a utilização economicamente viável.
Outra opção bastante utilizada – dependendo do cenário econômico – é a gordura protegida. Nesse caso, o óleo vegetal é protegido da degradação ruminal por uma complexação com saís de cálcio, formando uma espécie de “sabão” que apresenta forma sólida à temperatura ambiente. Esse processo torna a molécula insolúvel em água, fazendo-a passar pelo rúmen praticamente sem sofrer degradação, sendo “quebrada” no abomaso e tornando-se disponível para ser absorvida no intestino. O uso de gordura protegida como fonte de energia tem como principal objetivo evitar o efeito tóxico que é causado às bactérias ruminais, principalmente na influência negativa sobre a degradabilidade da fibra.
O adensamento energético promovido pela inclusão de gordura nas dietas pode ser utilizado de maneira estratégica em algumas situações. No período final da terminação, os animais passam a depositar mais gordura em relação à deposição muscular, por consequência, há aumento na exigência de mantença desses. Essa mesma fase coincide com a queda de consumo de MS, clássica nesse período, reduzindo a energia disponível para o ganho e comprometendo a deposição de gordura subcutânea. Em sistemas que o operacional permita utilização de mais dietas que o convencional, a inclusão de uma dieta nessa fase, com maior inclusão de gordura, se torna uma estratégia para manter o aporte energético dos animais. Mesmo com a queda de consumo, mantém o desempenho animal, propiciando a deposição de gordura na carcaça e contribuindo com o rendimento do ganho dos animais.
Do ponto de vista econômico, o uso de gordura protegida ou sementes de oleaginosas, deve ser avaliado relacionado ao custo de dieta. A tomada de decisão envolverá os fatores nutricionais, operacionais e o cenário de insumos de cada ano. Com as demais ferramentas disponíveis, é preciso olhar para “dentro de casa”, e avaliar se essa ferramenta se encaixa ou não em sua realidade. Por exemplo, dependendo da safra dos grãos e dos insumos em geral, o uso de gordura protegida pode não ser viável quando comparado ao preço do milho ou do processamento deste. Talvez, o aumento em quantidade do milho ou sua digestibilidade seja economicamente mais viável que a inclusão de gordura protegida nas dietas. Atentando-se sempre à quantidade que aumentará, e se o operacional do confinamento permite esse aumento, mantendo a segurança alimentar dos animais. Enfim, não existe “receita de bolo”, sempre precisamos analisar o custo da sua dieta final e suas oportunidades.