Segundo dados levantados pela Agrifatto, em 2024 foram abatidos 39,18 milhões de bovinos no Brasil, maior número na história. Deste total, 43,15% foram fêmeas, maior registro nos últimos 18 anos. O ano de 2024 ficou marcado como um ano de descarte de fêmeas. E o que isso significa?
Vamos ao ciclo pecuário!
Você já deve ter ouvido falar do ciclo pecuário e seu momento de baixa e alta nos preços. Sabe-se que, em média, o ciclo pecuário muda de fase a cada 4 anos e está intimamente ligado à oferta e demanda de animais.
A vaca, muitas vezes deixada em segundo plano, consegue impactar diretamente toda a cadeia pecuária. Quando há aumento no abate de matrizes, como em 2024, menos fêmeas estarão disponíveis para reprodução e, com isso, menos bezerros serão produzidos na próxima safra.
O aumento na oferta de fêmeas para abate pressiona o preço do boi gordo para baixo. Além disso, com menos bezerros sendo produzidos, menor é a oferta de animais para atender a demanda por reposição. Como consequência, maior será o preço desse bezerro no mercado e, com menos animais disponíveis para abate, maior será o valor pago pela arroba do boi gordo (fase de alta).
Bom, quem manda no mercado é a lei da oferta e da procura. Com a escassez e valorização do bezerro, o movimento oposto começa a acontecer. O pecuarista, então, passa a segurar as fêmeas na fazenda com a intenção de produzir mais bezerros e aproveitar este cenário.
Ao aumentar a oferta de bezerros, o preço desse produto é reduzido e ocorre novamente o aumento do abate de fêmeas, diminuição da produção de bezerros e reflexo negativo no preço da arroba do boi, como um verdadeiro ciclo (Figura 1).

É comum os olhos dos pecuaristas estarem voltados para o boi gordo, afinal, é dele que vem o principal produto da cadeia, a carne, mas não podemos esquecer que todo boi gordo precisa primeiro ser um bezerro.
Fato é que, independentemente da fase do ciclo pecuário (alta ou baixa), com mais ou menos fêmeas disponíveis para reprodução, o custo de produção do bezerro precisa sempre ser o mais baixo possível. E a única forma de alcançar esse objetivo é produzindo com eficiência.
Na cria, produzir com eficiência significa desmamar mais animais de qualidade e, para isso, é fundamental ter atenção especial com as grandes responsáveis por entregar esse produto ao mercado: as matrizes.
Sob condições normais essas matrizes estarão prenhas e com o bezerro ao pé, muitas vezes enfrentando pastagens de baixa qualidade e com suplementação ineficiente, o que impacta diretamente na sua condição corporal, ponto sensível quando o assunto é reprodução.
Esse olhar para a condição corporal de fêmeas em reprodução é indispensável, pois ele sinaliza o status nutricional do animal bem como demonstra a capacidade reprodutiva da vaca no momento da estação de monta, pela alta correlação com o sucesso da prenhez.
Essa avaliação é realizada de maneira visual, com notas em escala de 1 a 5 para bovinos de corte; onde a nota 1 é muito magra e 5, muito gorda, sendo que os extremos podem impactar negativamente a concepção. A nota de escore de condição corporal (ECC) deve ser baseada na observação da garupa do animal, analisando a quantidade de gordura e massa corporal, assim como o grau de aparecimento das costelas (Figura 2). E toda a preocupação com a condição corporal da fêmea em reprodução deve ter um objetivo: fazer ela parir com um bom ECC, entre 3 e 4.

A condição corporal no momento do parto é crucial para o animal, pois, ao parir com bom ECC, a vaca tende a retornar seu ciclo estral mais cedo (Tabela 1), apresentando maior taxa de prenhez na primeira IATF (Tabela 2) da estação de monta seguinte (Carvalho, 2017). Isso resulta em um maior número de bezerros nascidos no início da estação de parição, proporcionando uma produção de bezerros melhores e mais pesados (“bezerros do cedo”).
Tabela 1. Impacto do ECC ao parto no retorno ao ciclo estral
ECC ao parto | % de animais ciclando | |||
0 dias | 20 dias | 40 dias | 60 dias | |
2 | 32 | 42 | 56 | 74 |
2,25 | 42 | 54 | 80 | 90 |
3 | 49 | 63 | 98 | 98 |
Fonte: Adaptado de Sptizer et.al., 1995
Tabela 2. ECC ao parto e porcentagem de prenhez na 1º IATF em vacas multíparas
ECC ao parto | %Vacas | ECC ao parto | %Prenhez na 1ª IATF |
>3,50 | 39 | 3,58 | 59 |
3,25-3,00 | 35 | 3,13 | 52,5 |
<2,75 | 26 | 2,60 | 47,3 |
EPM | 0,02 | 4,1 | |
Valor de P | <0,001 | 0,026 |
Fonte: Carvalho, 2017
O escore de condição corporal deve ser monitorado ao longo do ano, mas é importante ter em mente que, quanto mais perto do parto, mais difícil será atuar para mudar a condição corporal. Pois, para fazer com que o animal aumente 0,5 ponto na escala do ECC (1 a 5), o animal precisa ganhar de 5 a 7% do seu peso adulto. Sendo assim, por exemplo, uma vaca pesando 450 kg, precisaria ganhar cerca de 22,5 a 31,5 kg para mudar somente 0,5 ponto no seu ECC.
Agora que está claro o tamanho do desafio que é recuperar o ECC do animal, devemos pensar qual é o melhor momento em que a avaliação de ECC pode ser realizada, permitindo traçar um plano de ação para recuperar os animais até o parto sem que seja uma missão impossível.
Esse momento é na desmama.
Entre a desmama e o parto temos um período entre 120 e 150 dias, que permite planejar e atuar para atingir ganhos de peso menos desafiadores. Em um cenário onde os animais precisam ganhar 30 kg até o parto para melhorar 0,5 pontos do escore, em 120 dias precisaríamos de estratégias nutricionais que imprimissem um ganho de 250 gramas por dia, o que é totalmente possível de ser alcançado, sem grandes desembolsos.
Em termos operacionais, a desmama também é um bom momento, já que os animais precisam ser levados e manejados no curral; então, avaliar o ECC não implica em trabalho extra na fazenda.
Além disso, com a separação do bezerro, a energia de manutenção da vaca é reduzida, facilitando a recuperação do escore corporal. Contudo, é importante lembrar que, se a recuperação ocorrer muito próximo ao parto, a energia será direcionada ao feto (especialmente no pico de crescimento fetal), e, após o parto, será direcionada à produção de leite, o que não terá impacto na recuperação ideal da condição corporal.
Pensando em otimizar o custo-benefício, durante a desmama, além de avaliar os animais, se a operação da fazenda permitir, também é possível separá-los de acordo com o escore de condição corporal, pois, dentro de um mesmo lote pode existir ECC diferentes.
Com isso, é possível definir diferentes estratégias nutricionais, com foco no ganho diário necessário e tipo de suplemento indicado para atingir os objetivos para cada grupo, o que permite investir mais somente em quem precisa.
Uma outra estratégia que também pode ser utilizada para auxiliar a recuperação de escore de condição corporal é a desmama antecipada, principalmente em categorias mais exigentes e precoces, como por exemplo as primíparas. Essa desmama consiste na retirada do bezerro de 5 a 6 meses de idade, a fim de ter um maior tempo hábil para recuperar as mães até o parto e aumentar suas chances de concepção na próxima estação reprodutiva.
Portanto, além da análise dos principais índices zootécnicos na desmama, como peso à desmama, taxa de desmame e quilos de bezerro desmamado por vaca exposta, é fundamental realizar uma avaliação crítica das matrizes.
Nesse momento, é essencial avaliar o escore corporal dos animais e aplicar a estratégia nutricional mais adequada para a recuperação até o parto.
Com o uso dessa estratégia, se bem executada, é possível ter um maior número de animais aptos a emprenhar já no início da estação de monta, o que está diretamente relacionado ao deslocamento dos nascimentos para o começo da estação de parição, refletindo em animais mais pesados e com maior retorno econômico na sua venda, afinal, em fazenda de cria, quem paga conta é o bezerro.
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