Farelo de soja na nutrição animal
A crescente demanda por produtos de origem animal tem impulsionado o crescimento do setor agropecuário no Brasil. Dentro desse segmento, a indústria de alimentação animal tem se destacado, com produção de aproximadamente 81,5 milhões de toneladas de rações em 2020, e com crescimento previsto de 2,3% para 2021. O setor avícola foi responsável por mais da metade do volume produzido, com 41,4 milhões de toneladas rações. Desse total produzido, o milho e o farelo de soja são os dois ingredientes mais importantes das dietas de aves, que juntos representaram 88%, com aproximadamente 26,5 e 9,99 milhões de toneladas, respectivamente (SINDIRAÇÕES, 2021).
O farelo de soja é a principal fonte de proteína utilizada nas rações avícolas, resultante da moagem dos grãos de soja para extração do óleo. Quando processado, adequadamente, apresenta em sua composição diversas características favoráveis à alimentação de aves, dentre elas: proteína de alta qualidade com bom balanço de aminoácidos, boa digestibilidade e baixo teor de fibras (COCA-SINOVA et al., 2008; ROSTAGNO et al., 2011). Por exemplo: em uma dieta à base milho, farelo de soja e farinha de carne e ossos, formulada para frangos de corte na fase inicial, mais de 65% da proteína, 68% da lisina e 62% da treonina digestível são provenientes do farelo de soja.
Para controle de qualidade, vários parâmetros são adotados para determinar a qualidade nutricional do farelo de soja. O percentual de proteína bruta e fibra bruta são duas análises importantes, visto que, o nível proteico é variável e pode ser ajustado com a retirada ou inclusão da casca durante o processamento da matéria-prima. O teor de umidade também é fundamental, uma vez que a concentração de água presente no farelo impacta diretamente na sua conservação.
Apesar das qualidades nutricionais, a soja possui diversos fatores antinutricionais na composição e quando não desativados, comprometem o desenvolvimento das aves. Dessa maneira, o tratamento térmico é fundamental durante o processamento do farelo de soja para inativá-los. Dentre os fatores antinutricionais presentes no grão de soja in natura, destacam-se os inibidores de proteases (tripsina e quimiotripsina), e as hemaglutininas, conhecidas também como lectinas.
Os inibidores de proteases são compostos de cadeias proteicas, que apresentam alta afinidade com a tripsina, enzima pancreática responsável pela digestão das proteínas que chegam no lúmen intestinal. Quando complexados com as tripsinas, a digestão proteica é prejudicada, reduzindo consequentemente a disponibilidade e absorção dos aminoácidos através do epitélio intestinal. A presença desses inibidores no intestino delgado provoca alterações metabólicas no pâncreas, hipertrofiando-se, em consequência do aumento na secreção enzimática para compensar os inibidores e digerir as proteínas (BUTOLO, 2010; LEITE et al., 2012).
As lectinas ou hemaglutininas são proteínas que possuem alta afinidade com a superfície celular, ligam-se especialmente aos glicopeptídeos ou oligossacarídeos presentes nos enterócitos do duodeno e do jejuno, causando mudanças no epitélio, através de ulcerações nas vilosidades. Decorrente dessas alterações na borda em escova, ocorre aumento da perda de nitrogênio endógeno, redução na digestibilidade e na absorção de nutrientes (FASINA et al., 2004).
Durante o processamento, o farelo de soja passa por tratamento térmico, uma vez que, o calor exercido sobre a matéria-prima desnatura os inibidores de proteases junto com outros fatores antinutricionais termolábeis. O aquecimento também é importante para evaporação do hexano, solvente utilizado para extração do óleo. Além disso, o tratamento eleva o valor nutricional, provocando gelatinização do amido, desagregando frações de amilose e amilopectinas presentes nos carboidratos, tornando-os disponíveis para ação enzimática endógena (GUERBER, 2004; BUTOLO, 2010).
Como qualquer tratamento térmico, o farelo de soja está sujeito ao subprocessamento ou ao superprocessamento. Em decorrência disso, podemos encontrar farelos com fatores antinutricionais ativos ou com perdas no seu valor nutricional. Desta maneira, vários métodos foram desenvolvidos para determinar inativação dos fatores antinutricionais na matéria-prima, entretanto, na prática a atividade ureática e a solubilidade proteica são os métodos mais utilizados para avaliar a qualidade do farelo de soja, já que em comparação aos demais, são métodos mais rápidos e econômicos.
O teste da atividade ureática é considerado eficiente para indicar a desnaturação dos fatores antinutricionais, uma vez que o método é baseado no princípio de que a enzima urease, presente na soja, é desnaturada com a mesma intensidade que os inibidores de tripsina. Para determinar o índice de urease, uma amostra do farelo de soja é misturada com solução de ureia. A urease em contato com a ureia libera amônia, que por vez, altera o pH da solução padrão. Alterações no pH da solução indicam que os compostos antinutricionais não foram desativados totalmente, pois o tratamento térmico foi insuficiente. Valores entre 0,05 e 0,20 de Δ pH são aceitáveis para atividade ureática. Quanto mais próximo de “zero”, melhor, indicando que o processamento foi adequado para desativar os fatores antinutricionais (GUERBER, 2004; BUTOLO, 2010; LEITE et al., 2012).
Em contrapartida, a atividade ureática é eficiente para indicar subprocessamento do farelo de soja, porém não indica com rigor o superprocessamento. Nesse caso, a solubilidade proteica é fundamental, sendo realizada a partir do tratamento da amostra com solução de hidróxido de potássio a 0,2%. No grão in natura, a proteína solúvel pode apresentar 100% e vai reduzindo quando submetida ao tratamento térmico. Segundo Butolo (2010), a amostra de farelo de soja deve ter no mínimo 80% de solubilidade proteica. Dessa forma, valores acima de 90% indicam subprocessamento e; valores abaixo de 77%, que o farelo sofreu tratamento térmico em excesso. De acordo com Coca-Sinova et al. (2008) e Hoffmann et al. (2019), o superprocessamento pode causar perdas nutricionais, devido aumento das reações de Millard entre açúcares e aminoácidos, reduzindo a energia e a digestibilidade dos aminoácidos para os animais.
Frente aos avanços nos conhecimentos em nutrição animal e a busca constante por uma produção eficiente e sustentável, o processamento adequado do farelo soja é de extrema importância para assegurar a qualidade nutricional da matéria-prima, além disso, os fatores antinutricionais ativos e a perda do valor nutricional impactam negativamente na digestibilidade dos nutrientes e, consequentemente, na redução do desempenho das aves.
Nutrição Animal – Agroceres Multimix
Bibliografia:
BUTOLO, J. E. Qualidade de ingredientes na alimentação animal. 2ª Ed., Colégio Brasileiro de Nutrição Animal, Campinas, SP, 2010.
COCA-SINOVA, A.; VALENCIA, D. G.; JIMÉNEZ-MORENO, E.; LÁZARO, R., MATEOS, G. G. Apparent Ileal Digestibility of Energy, Nitrogen, and Amino Acids of Soybean Meals of Different Origin in Broilers. Poultry Science, Champaign, v. 87, p.2613-2623, 2008
FASINA, Y. O.; GARLICH, J. D.; CLASSEN, H. L.; FERKET, P. R.; HAVENSTEIN, G. B.; GRIMES, J. L.; QURESHI, M. A.; CHRISTENSEN, V. L. Response of Turkey Poultys to Soybean Lectin Levels Yypically Encountered in Commercial Diets. 1. Effect on Growth and Nutrient Digestibility. Poultry Science, Champaign, v. 83, p. 1559-1571, 2004.
GUERBER, L. F. P. EFEITO DA COMPOSIÇÃO DO FARELO DE SOJA NO DESEMPENHO DE FRANGOS DE CORTE. 2004. 77p. Dissertação (Mestrado) – Produção Animal, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2004.
HOFFMANN, D.; THURNER, S.; ANKERST, D.; DAMME, K.; WINDISCH, W.; BRUGGER, D. Chickens’ growth performance and pâncreas development exposed to soy cake varying intrypsin inhibitor activity, heat-degraded lysina concentracion, and protein solubility in potassium hydroxide. Poultry Science, v.98, p.2489-2499, 2019.
LEITE, P. R. S. C.; MENDES, F. R.; PEREIRA, M. L. R.; LACERDA, M. J. R. LIMITAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA SOJA INTEGRAL E FARELO DE SOJA NA NUTRIÇÃO DE FRANGOS DE CORTE. Enciclopédia Biosfera. Goiânia, v. 8, p. 1138-1157, 2012.
ROSTAGNO, H. S.; ALBINO, L. F. T.; HANNAS, M. I.; DONZELE, J. L.; SAKOMURA, N. K.; et al. Tabelas Brasileiras Para Aves e Suínos: Composição ee Alimentos e Exigências Nutricionais. 4ª Ed. Viçosa: Departamento de Zootecnia, UFV, 2017.
SINDIRAÇÕES. BOLETIM INFORMATIVO DO SETOR. 2021.