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Enriquecimento de ovos com selênio: saúde animal e humana

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O ovo se destaca nas últimas décadas como opção estratégica para atender à crescente demanda dos consumidores por alimentos funcionais. Na avicultura, a suplementação de selênio (Se) nas dietas das aves contribui para a saúde animal e enriquece os ovos, agregando benefícios nutricionais para os consumidores.

Mineral essencial para o bom funcionamento do organismo, o selênio desempenha papel crucial como cofator de mais de 25 selenoproteínas, incluindo a glutationa peroxidase, que protege as células contra danos oxidativos e o envelhecimento precoce. Além disso, esse mineral exerce um papel importante no fortalecimento do sistema imunológico, na regulação da função tireoidiana e na prevenção de doenças crônicas, como câncer e doenças cardiovasculares (Facchinetti et al., 2022). Nesse contexto, otimizar os níveis de selênio nas dietas das aves é fundamental para promover a saúde, a produtividade e a produção de alimentos funcionais.

A exigência de selênio para galinhas varia de 0,05 a 0,08 ppm, dependendo do consumo diário de ração (NRC, 1994). Rostagno et al. (2024) recomendam 0,142 mg de selênio por kg de ração para poedeiras suplementadas com fontes orgânicas e 0,315 mg/kg para fontes inorgânicas. Essa necessidade pode ser atendida por uma dieta convencional a base de milho e farelo de soja, sem suplementação adicional. No entanto, o teor de selênio nos grãos de ração varia amplamente entre as regiões, e é uma prática comum na indústria avícola suplementar as dietas das galinhas poedeiras, com o intuito de evitar deficiências. Em aves, assim como em outras espécies animais, o selênio pode ser suplementado por fontes inorgânicas ou orgânicas, sendo a escolha dessas fontes fator determinante para o destino metabólico do mineral (Suzuki, 2005).

O selenito de sódio é a fonte tradicional e inorgânica de selênio nas dietas animais. No entanto, fontes alternativas, como a selenometionina e leveduras enriquecidas com selênio, têm sido exploradas devido à sua maior biodisponibilidade e vantagens biológicas. Isso ocorre porque, apesar de amplamente utilizado, o selenito de sódio tem menor eficiência na retenção de selênio nos tecidos das aves. Após ser absorvido no intestino delgado, principalmente por difusão passiva, o selenito é transportado para o fígado, onde é convertido em seleneto para a síntese de selenoproteínas (Surai, 2006; Sunde, 2010).

O seleneto é essencial para a produção de selenoproteínas antioxidantes, como a glutationa peroxidase e a tioredoxina redutase. Essas enzimas desempenham papéis fundamentais na proteção das células contra danos oxidativos, e ambas dependem diretamente do selênio para exercerem suas funções (Kieliszek e Błażejak, 2013).

A selenometionina, forma orgânica de selênio, é absorvida pelos enterócitos de maneira similar aos aminoácidos, por meio de transporte ativo. Esse processo ocorre em todas as regiões do intestino delgado, utilizando um mecanismo semelhante ao da metionina. Durante a síntese proteica, a selenometionina pode substituir a metionina, permitindo que o selênio seja armazenado nos tecidos musculares. Assim, ela é incorporada às proteínas e liberada apenas após o turnover proteico, fornecendo selênio de forma gradual e eficiente para o organismo (Cominetti e Cozzolino, 2009). Sua participação nas vias metabólicas confere vantagens sobre as fontes inorgânicas e outras fontes orgânicas, pois a absorção ocorre de maneira dependente de sódio, de forma semelhante à da metionina (Bertechini, 2012; Sakomura et al., 2014).

Um estudo recente (Li et al., 2024) demonstrou que grupos suplementados com fontes orgânicas de selênio apresentaram maior teor do mineral nos ovos em comparação aos grupos suplementados com selênio inorgânico. Entre os grupos suplementados com 0,30 mg/kg de selênio, houve um aumento significativo no teor de selênio nos ovos em relação aos grupos suplementados com 0,15 mg/kg.

A levedura enriquecida com selênio é outra opção de fonte orgânica que contém aproximadamente 50-70% de selenometionina, podendo incluir outras formas de selênio, como a selenocisteína. Essa fonte natural é absorvida de maneira eficiente por transporte ativo no intestino e utilizada nos tecidos de forma semelhante à selenometionina.

Payne et al. (2005), ao avaliarem a deposição de selênio em ovos de galinhas poedeiras, observaram que os níveis de selênio transferidos para os ovos aumentaram linearmente com a suplementação do mineral na dieta (de 0,15 a 3 ppm), independentemente da fonte de selênio (orgânica ou inorgânica). No entanto, quando a suplementação foi feita com a forma orgânica do mineral, houve uma maior deposição de selênio nos ovos. Aos níveis de 0,60 ppm de selenito de sódio e levedura enriquecida com selênio, as respostas foram de 0,327 e 0,670, respectivamente, enquanto nas doses de 3,00 ppm, as respostas aumentaram para 0,641 e 2,207 para selenito e levedura, respectivamente.

Outro estudo com galinhas alimentadas com uma dieta contendo selenometionina observou que elas transferiram mais selênio para seus ovos (+28,8%) e acumularam maiores reservas nos músculos (+28%) em comparação com as aves alimentadas com dietas suplementadas com selênio inorgânico e selênio de levedura (Jlali et al., 2013). Embora existam outros produtos, como quelatos, glicinatos e proteinatos, ainda são necessários mais estudos para que esses se tornem fontes confiáveis (Zhang et al., 2025).

Do ponto de vista da viabilidade econômica, a combinação de fontes orgânicas e inorgânicas tem se mostrado uma abordagem eficaz em custo-benefício, permitindo que os produtores ajustem a suplementação ao longo das fases produtivas das aves e atendam às crescentes demandas do mercado por alimentos funcionais e nutritivos. Fontes inorgânicas de selênio, como o selenito de sódio, são necessárias para a síntese de selenocisteína.

 

 

Ovo como um alimento funcional

O ovo, por ser uma fonte rica de ácidos graxos poli-insaturados, é altamente suscetível à oxidação lipídica, especialmente durante o processamento e estocagem (Cherian, 2008; O’Keefe e Wang, 2006). Esse processo compromete a qualidade sensorial do alimento e é acelerado por fatores como tempo e temperatura, que afetam diretamente sua estabilidade (Mariutti e Bragagnolo, 2007; Barbosa et al., 2009).

O selênio é fundamental para prolongar a vida útil dos ovos, desempenhando um papel central como componente da enzima antioxidante glutationa peroxidase. Essa enzima atua reduzindo e neutralizando radicais livres gerados pela oxidação lipídica, retardando os processos oxidativos que afetam a qualidade do ovo (Liu et al., 2023). Como resultado, a suplementação com selênio contribui para preservar as características sensoriais e nutricionais do ovo, assegurando sua estabilidade durante o armazenamento e transporte.

Além disso, no Brasil, a Instrução Normativa nº 75/2008 estabelece critérios para destacar o valor funcional dos alimentos. Essa regulamentação define os requisitos necessários para que um alimento seja rotulado como “fonte” ou “rico em selênio”, incluindo as concentrações mínimas exigidas para essas alegações. No caso dos ovos, ajustar a suplementação alimentar das aves para atender a essas exigências legais é essencial, permitindo que os produtores agreguem valor ao produto e atendam às expectativas do mercado consumidor por alimentos funcionais.

Os Valores Diários de Referência (VDR) indicam que a ingestão recomendada de selênio para adultos é de 60 μg por dia. Para classificar um alimento de acordo com seu conteúdo de selênio, são adotados os seguintes critérios:

  • Fonte de selênio: quando o alimento contém no mínimo 15% do VDR por porção.
  • Rico em selênio: quando o alimento apresenta no mínimo 30% do VDR por porção.

Segundo dados do FoodData Central (U.S. Department of Agriculture), um ovo de 50 g contém cerca de 15 μg de selênio, o que representa aproximadamente 25% da ingestão diária recomendada. Para ser classificado como “rico” em selênio, o ovo (50g) deve conter pelo menos 18 μg do mineral.

Portanto, o enriquecimento de ovos com selênio, por meio da suplementação adequada na dieta das aves, não apenas contribui para a saúde e o bem-estar animal, mas também oferece um valor nutricional significativo aos consumidores, atendendo à demanda crescente por alimentos funcionais. Além disso, com o respaldo de regulamentações como a Instrução Normativa nº 75/2008, é possível destacar o valor funcional do ovo, agregando maior valor ao produto e cumprindo as expectativas do mercado.

Esse diferencial competitivo permite ao produtor elevar o preço de venda em mais de 60%, posicionando os ovos enriquecidos como uma solução estratégica que combina alta rentabilidade com a crescente demanda por alimentos funcionais e saudáveis.

Assim, ao otimizar a suplementação de selênio nas dietas das aves, é possível melhorar a qualidade do produto, atender às exigências legais e satisfazer as necessidades dos consumidores, promovendo benefícios para a saúde humana de forma sustentável e eficiente.

 

 

Considerações Finais

O enriquecimento de ovos com selênio configura-se como uma estratégia poderosa e diversificada para melhorar tanto a saúde animal quanto a humana. Ao suplementar as dietas das aves com fontes orgânicas de selênio, é possível não apenas otimizar a saúde e o desempenho das poedeiras, mas também aumentar o teor desse mineral nos ovos, contribuindo para a produção de alimentos funcionais com benefícios nutricionais significativos. Além disso, o selênio exerce um papel fundamental na preservação das características sensoriais dos ovos, especialmente ao atuar como um potente antioxidante, retardando a oxidação lipídica e prolongando a vida útil do produto.

O enriquecimento de ovos com selênio não é apenas uma tendência crescente, mas uma solução eficaz que integra saúde animal, benefícios nutricionais e valorização do produto. Ao adotar práticas de suplementação bem planejadas, os produtores podem impulsionar a qualidade de seus ovos, atendendo tanto às exigências dos consumidores quanto às necessidades do mercado global de alimentos funcionais.

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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