O leitão, durante toda a fase intrauterina, apresenta o trato gastrointestinal (TGI) estéril, sendo que a colonização bacteriana se inicia logo ao nascimento, quando o animal entra em contato com os microrganismos da mucosa vaginal da porca (Bertechini; Hussain, 1993), sofrendo naturalmente alterações subsequentes. Segundo Ducluzeau (1983), após 10-12h do nascimento, o leitão apresenta 108 – 109 unidades formadoras de colônia (UFC) de microrganismo por grama de fezes, estabilizando esses valores após 24 a 48h de vida.
A microbiota se diferencia ao longo dos segmentos do TGI, com quantidade e tipos de bactérias distintas, na qual é influenciada pelo pH, disponibilidade de substratos, secreção de muco, peristaltismo e tempo de trânsito do conteúdo digerido (Heo et al., 2012). Sendo assim, no estômago e intestino delgado (ID), principalmente na porção superior (duodeno), as bactérias estão em menor número, em virtude do maior peristaltismo e pH ácido, comparado com o intestino grosso (IG), dificultando a colonização e a proliferação bacteriana (Hao; Lee, 2004).
A maior prevalência de microrganismos está na região caudal do intestino, com predomínio no IG. Esta maior proporção para tais segmentos está relacionada com o ambiente anaeróbico, temperatura, velocidade de passagem da digesta e pH mais básico, quando comparado ao intestino delgado. Nessa porção já foram descritas cerca de 500 espécies diferentes de microorganismos. Em uma microbiota normal e equilibrada prevalecem os gêneros: Streptococcus, Lactobacillus, Bifidobacterium, Enterococcus, Eubacterium, Fusobacterium, Peptostreptococcus, Enterobacter, Bacteroides e Porphyromona. Enquanto coliformes, E. coli e Clostridium spp estão em menores proporções (Vondruskova et al., 2010).
A partir da ingestão do leite materno ocorre a redução do pH estomacal do leitão pela ação da lactase (produção de ácido láctico), viabilizando o crescimento de microrganismos benéficos como Lactobacillus e diminuindo a quantidade e a passagem de bactérias patogênicas como E. coli para o intestino delgado (Sanches, 2006).
Algumas bactérias do gênero Lactobacillus e Bifidobacterium também são importantes para a acidificação do TGI e proteção contra o crescimento de microrganismos patogênicos. Estes representam dois dos principais gêneros pertencentes à microbiota intestinal de leitões durante o aleitamento e são caracterizadas como bactérias ácido-láticas (Everaert et al., 2017).
O gênero Lactobacillus, comumente, são encontrados na parte não secretora do estômago, em função do baixo pH e se distribuem para o intestino delgado (Vondruskova et al., 2010). Danielson et al. (1989) relataram que Lactobacillus, além da proteção do TGI contra bactérias patogênicas através da acidificação, podem inibir a colonização e a multiplicação de E. coli através de bloqueios de receptores intestinais e secreção de metabólitos tóxicos.
Os leitões na fase de amamentação possuem alguns mecanismos que possibilitam solucionar a baixa secreção ácida do estômago. Lactobacillus, através da fermentação da lactose disponível no leite da porca, produzem o ácido lático, que é a principal fonte de acidificação do TGI dos leitões, protegendo-os contra patógenos que não toleram o meio mais acidificado, além de possuir uma menor necessidade de secreção transitória de ácidos, devido à ingestão em baixas quantidades, mas em altas frequências (Ravindran; Kornegay, 1993). Porém, altas concentrações de ácido lático no estômago tendem a inibir a secreção de ácido clorídrico (HCl) (Lawlor et al., 2005), sendo um fator limitante do processo digestivo na fase de pós-desmama, como relataram Heo et al. (2012).
Kubasova et al. (2017) correlacionaram positivamente a abundância de Lactobacillus com a concentração de lactose (durante o aleitamento) e; negativamente com a concentração de Clostridium, Streptococcus, Escherichia, Shigella, Enterococcus e Staphylococcus. Porém, esses gêneros de bactérias cresciam conforme as concentrações de proteínas na alimentação aumentavam (após o desmame), apontando que a microbiota intestinal é modulada através do aleitamento, ocorrendo redução da infecção bacteriana e ocorrência de doenças entéricas.
A microbiota intestinal se mantém relativamente estável até o momento do desmame (Pluske et al., 2002), porém, a secreção ácida insuficiente, somada a todos os diversos fatores estressantes pelas quais os leitões passam no desmame, pode gerar na maioria dos casos desequilíbrio da microbiota intestinal (Ravindran; Kornegay, 1993; Heo et al., 2012). A dificuldade do leitão recém desmamado em manter o pH gástrico mais acidificado dificulta a digestão e favorece a proliferação de patógenos, por fornecer substrato e condições favoráveis de pH (Taylor, 1959), tendo como característica o aumento da contagem dos coliformes fecais e queda do número Lactobacillus no intestino (Ravindran; Kornegay, 1993).
Chen et al. (2017) avaliaram a microbiota transitória do leitão, coletando fezes 10 dias pré-desmame ao 10º dia (desmame) e ao 21º dia pós desmame. Os resultados demonstraram a predominância de Fusobacterium, Lactobacillus, Bacteroides, Escherichia/Shigella e Megasphaera. No pós-desmame, a microbiota bacteriana mudou rapidamente e se estabilizou no décimo dia pós creche. A população foi substituída principalmente por bactérias do gênero Clostridium, Roseburia, Paraprevotella e Blautia.
Frente a esse contexto, existem estratégias nutricionais que fornecem proteção para o leitão recém desmamado, atuando na modulação da microbiota intestinal. Substratos fermentáveis, como a lactose; e aditivos acidificantes, como os ácidos orgânicos; proporcionam suporte para as bactérias ácido-láticas, além de fornecer um meio mais acidificado para a colonização TGI frente às bactérias patogênicas.
Níveis de inclusão de 20% de lactose total frente a 10% de lactose total na dieta nas primeiras 2 semanas pós-desmame, mostra resultados significativos na redução do pH e da quantidade de Salmonella spp no íleo, maior concentração de Lactobacillus spp e redução de E. coli no ceco, redução do pH no cólon, redução da eliminação de gases nocivos, maior digestibilidade da matéria seca e energia bruta da dieta, além de aumentar a concentração de ácidos graxos voláteis na digesta do íleo, ceco e cólon (Jeong, et al., 2019).
Já os ácidos orgânicos podem atuar na modulação da microbiota intestinal através da redução do pH do TGI e por meio do efeito antimicrobiano específico que possuem (Partanen; Mroz, 1999), criando um ambiente negativo para o crescimento de microrganismos patogênicos como a E. coli e a Salmonella spp, que não toleram ambientes com mais acidificados (Suiryanrayna; Ramana, 2015) e favorecendo a colonização por bactérias ácido-láticas.
Os ácidos orgânicos também podem influenciar a morfologia da mucosa intestinal através da estimulação direta sobre a proliferação das células epiteliais, melhorando a relação da altura das vilosidades e da profundidade das criptas (Dibner; Butin, 2002), provendo melhores condições de saúde, morfologia intestinal, digestão, aproveitamento alimentar e desempenho zootécnico.
Avaliando a integridade intestinal e parâmetros zootécnicos de leitões tratados com clorohidroxiquinolina (Halquinol®), além da diversidade de microbiota em leitões alimentados com dietas de alta e baixa complexidade, Rezende (2019) verificou que o maior CMD e GPD e melhora na CA foram obtidos no grupo de animais que receberam a clorohidroxiquinolina (Halquinol®) do desmame à 49 dias. Possivelmente, essa melhora está relacionada com a modulação da microbiota pelo promotor visto que, uma microbiota estável melhora a eficiência alimentar de seus hospedeiros, por melhorias no aproveitamento de nutrientes pela fermentação e inibição do crescimento de outros microrganismos potencialmente patogênicos (Littman e Pamer 2011).
Considerando os desafios vivenciados pelo leitão na fase de creche e o seu desenvolvimento tanto fisiológico quanto para deposição proteica, a adição de ingredientes que possibilitem melhor aproveitamento dos nutrientes se faz necessária para o seu crescimento, atuando no sistema imune, regulação de pH e modulação da microbiota intestinal. Diante disso, o uso de dietas de alta complexidade, ou seja, além do milho e farelo de soja é indispensável que haja ingredientes de fácil absorção (cereais pré-gelatinizados, derivados lácteos, probióticos, prebióticos, leveduras, plasma sanguíneo, entre outros) e que possibilitem os benefícios já mencionados. Sendo assim, o conteúdo da dieta pode influenciar fortemente a composição da microbiota (Leser et al, 2000).
Ainda sobre o estudo de Rezende (2019), observou-se que a comunidade microbiana esteve presente tanto com o uso de dietas de baixa complexidade quanto em dietas de alta complexidade. Aos 42 dias em dietas de baixa complexidade, observou-se a prevalência dos gêneros Eubacterium, Lactobacillus e Bacterioides. Já aos 70 dias, verificou-se a presença do gênero Mitsuokella em dietas de alta complexidade. O uso de dietas de alta complexidade possibilitou níveis constantes em termos de diversidade, o que não correu em dietas de baixa complexidade. Sabe-se que uma microbiota mais estável é benéfica para o hospedeiro, participando de processos metabólicos e protegendo contra potenciais patógenos (Guevarra et al., 2018).
O uso de algumas ferramentas nutricionais possibilita a manutenção do equilíbrio da microbiota intestinal e dessa forma, minimizar os desafios enfrentados pelo leitão na fase de creche garantindo melhor desempenho zootécnico na produção.
Nutrição Animal – Agroceres Multimix
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