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Por dentro do cocho – Bagaço de cana na alimentação de bovinos de corte

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capa bagaço de cana para gado

O Brasil figura como o maior produtor mundial de cana de açúcar, com cerca de 8.616,1 mil hectares colhidos na safra 2020/2021, um aumento de 2,1% quando comparado a safra anterior.

A região centro-sul tem grande destaque na produção e processamento da cana de açúcar no Brasil. Segundo a União da Indústria de Cana de Açúcar (UNICA), na safra 2020/2021, 269 usinas nessa região processaram cana de açúcar, sendo 78% das usinas concentradas nos estados de São Paulo (140), Goiás (36) e Minas Gerais (35). Ainda de acordo com a UNICA, na safra 2020/2021, na região centro-sul, foram moídas 605 milhões de toneladas de cana de açúcar, um aumento de 2,5% frente a safra 2019/2020, o que originou 38,4 milhões de toneladas de açúcar (aumento de 43,5% em relação à safra anterior) e 30,4 bilhões de litros de etanol (redução de 8,4% comparando com a safra 2019/2020).

Cerca de 25 a 30% da cana moída origina como resíduo o bagaço de cana (1 tonelada de cana = 250 a 300 kg de bagaço de cana), transformando-o em um coproduto muito importante da indústria sucroalcooleira. Cerca de 90% desse bagaço é utilizado como fonte de energia (queima) nas usinas, o excedente (10%) pode ser vendidos para outras indústrias para produção de energia, fabricação de papel, produção de etanol de segunda geração ou ainda ser utilizado na alimentação animal.

Características nutricionais do bagaço de cana

O bagaço de cana é um coproduto fibroso (alto teor de parede celular), com baixa densidade, baixo teor de energia, proteína, minerais e vitaminas, sendo considerado um alimento com baixo valor nutritivo (Tabela 1). Variações em sua composição podem ser encontradas em função das variedades de cana de açúcar, diferenças no solo, manejo e colheita, diferenças no processo de moagem, entre outros.

Tabela 1- Composição química do bagaço de cana in natura e silagem de milho, na matéria seca

Bagaço de cana

Silagem de milho

Proteína bruta (%)

1,8-3,5

5-10

FDA (%)

38-65

23-45

FDN (%)

60-95

45-60

Hemicelulose (%)

25-32

20-30

Celulose (%)

30-45

24-35

Lignina (%)

15-25

3-5

A fração da fibra em detergente neutro (FDN), muito considerada nos alimentos fibrosos, corresponde a hemicelulose, celulose e lignina. Já a fibra em detergente ácido (FDA) corresponderá a fração fibrosa sem a hemicelulose, ou seja, somente celulose e lignina.

A hemicelulose e celulose são carboidratos fibrosos (CF) que, diferente dos carboidratos não fibrosos (amido, açucares e pectina), apresentam digestão mais lenta no rúmen e precisam da mastigação para diminuir o tamanho das partículas para posterior ação dos microrganismos ruminais, o que irá estimular a salivação e controle do pH ruminal podendo evitar possíveis distúrbios metabólicos. A hemicelulose é degradada no rúmen mais rapidamente do que a celulose, já a lignina não é degradada no rúmen.

Além do teor de FDN e FDA, é importante avaliar a composição dessas frações uma vez que diferentes alimentos podem apresentar teores semelhantes de FDA e FDN, porém diferentes proporções de hemicelulose, celulose e lignina. As proporções entre os componentes da fibra de um alimento afetarão diretamente sua digestibilidade (quanto mais lignina, menor a digestibilidade).

A digestibilidade de um alimento está relacionada ao seu FDA, já que a fração indigestível da fibra (lignina) está nessa fração. Já a FDN está relacionada ao consumo de matéria seca, uma vez que representa a fração digerida mais lentamente, responsável pelo enchimento ruminal (o consumo de matéria seca pode ser limitado quando o consumo de FDN for maior do que 1,2% do peso vivo do animal).

Uso do bagaço de cana na alimentação de bovinos de corte

O bagaço de cana é um alimento que deve ser utilizado exclusivamente como fonte de fibra, dado seu baixo valor nutritivo. Em animais confinados, ele pode ser utilizado como única fonte de volumoso ou substituir parte de outros volumosos nas dietas. Vale ressaltar que é um alimento com baixo valor nutritivo, dessa forma não deve ser trabalhado em dietas da mesma maneira que volumosos de boa qualidade, como silagens e pastagens. Sendo assim, a falta de nutrientes desse volumoso deverá ser suprida através da maior inclusão de concentrado na dieta.

O bagaço de cana pode ser considerado um excelente “chiclete” para bovinos, já que apresenta grande capacidade em promover a ruminação, o que favorecerá a produção de saliva, contribuindo com a manutenção do pH ruminal.

Estudos demonstram que o bagaço de cana in natura poderá ser incluído na dieta entre 10-20%, na matéria seca e para definir a melhor inclusão é importante avaliar os demais alimentos que irão compor a dieta.

Para inclusão menor do que 10% é importante considerar quais insumos energéticos serão utilizados, uma vez que o excesso de energia prontamente disponível no rúmen poderá deprimir o consumo dos animais como, por exemplo, dietas que utilizam silagem de grão úmido. Além disso, é fundamental avaliar o manejo operacional da fazenda uma vez que dietas com elevado teor de concentrado, aliadas ao mau manejo, podem ocasionar problemas metabólicos nos animais.

Inclusão maior que 20% também poderá provocar queda no consumo de matéria seca, já que a fibra do bagaço de cana in natura apresenta baixa digestibilidade. Em ambos os casos, a queda no consumo poderá interferir no desempenho dos animais e eficiência alimentar.

Cuidados ao usar bagaço de cana in natura:

  •  Aferição da matéria seca

O bagaço de cana in natura é um alimento que geralmente fica exposto a ação da chuva e do sol nas propriedades. Por esse motivo, é muito comum ocorrer variações constantes na matéria seca do bagaço, o que afetará diretamente a formulação da dieta fornecida, refletindo no desempenho dos animais.

Para evitar variações na dieta é fundamental realizar aferições da matéria seca do bagaço de cana periodicamente. O ideal é que esse monitoramento seja realizado pelo menos 2 vezes na semana ou sempre que houver mudanças climáticas, como chuva e/ou calor excessivo.

Diferenças na matéria seca partir de 2% entre o que está na matriz da formulação e o que foi aferido, para mais ou para menos, já requer correção na matriz da dieta, visando manter a formulação planejada.

  •  Inclusão de água na dieta

As usinas de cana de açúcar disponibilizam o bagaço com cerca de 50% de matéria seca (ideal para produção de energia). Devido ao perfil das dietas que utilizam bagaço de cana como volumoso (dietas com alta inclusão de concentrado), a matéria seca da dieta será elevada o que poderá prejudicar o consumo dos animais.

O ideal é que a dieta apresente cerca de 65-70% de matéria seca (30 a 35% de umidade). Uma dieta utilizando bagaço de cana como volumoso pode apresentar cerca de 80% de matéria seca, o que poderá reduzir o consumo do animal.

Imaginem vocês, tendo que ingerir um prato com farinha sem poder contar com a ajuda de um copo com água, seria difícil, não é? O mesmo acontece com o boi.

A correção da matéria seca da dieta pode ser feita com a inclusão de água ou algum outro alimento úmido, que podem ser adicionados diretamente no vagão, como mais um ingrediente da dieta. Além de promover um melhor consumo, a adição de água poderá auxiliar também na mistura da dieta.

  •  Qualidade da fibra

Deve-se estar atento a qualidade da fibra do bagaço. É muito comum o bagaço de cana ficar armazenado nos pátios de estocagem das usinas, onde podem permanecer por muito tempo até serem utilizados no período da entressafra ou até serem vendidos. Esse armazenamento normalmente é realizado sem muito critério, consistindo em grandes pilhas de bagaço de cana formadas de forma aleatória, expostas ao ar livre, sem controle do tempo de estocagem.

Esse tipo de armazenamento pode provocar a deterioração do material devido a ação de fungos, da classe dos Basidiomicetos, que podem ser divididos em dois grupos: os que causam a chamada podridão parda, onde a ocorre a destruição da hemicelulose e celulose; e os que causam a podridão branca que, além de destruírem a hemicelulose e celulose também irão agir sobre a lignina. Além disso, esse tipo de armazenamento pode fazer com que o interior da pilha de bagaço de cana alcance temperaturas elevadas (ao redor de 60º), o que pode provocar combustões espontâneas afetando a composição do material, além de acelerar o processo de decomposição.

Uma forma prática para avaliar a qualidade da fibra do bagaço de cana é colocar uma amostra dentro de um recipiente com água. O ideal é o que o material boie, simulando assim a sua função no rúmen, que é a formação do mat ruminal, o que irá estimular a ruminação, salivação e controle do pH. Caso o material afunde no meio líquido, significa que sua fibra não apresenta a qualidade que buscamos.

Considerações finais

Produzir volumoso muitas vezes é um desafio para muitas fazendas, por isso, propriedades situadas em regiões onde usinas de cana de açúcar estejam presentes podem se beneficiar desse volumoso nas dietas de bovinos de corte.

O bagaço de cana é um insumo baratão, porém o ideal é que a propriedade esteja localizada próxima as usinas de cana de açúcar. O bagaço de cana carrega 50% de umidade, além de apresentar baixa densidade então o frete pode impactar seu custo final.

A disponibilidade de bagaço de cana in natura para utilização na alimentação animal pode variar ano a ano devido as diversas finalidades desse insumo (produção de energia, produção de etanol, entre outros). Por esse motivo, o uso desse alimento deve ser bem planejado e deve-se buscar parcerias sólidas com as usinas fornecedoras desse insumo.

Para incluir o bagaço de cana na dieta é importante levar em consideração todos os ingredientes que irão compor a dieta, assim como os custos. Dietas com bagaço de cana geralmente são bastante energéticas e por isso necessitam de cuidados relacionados ao manejo.

Nutrição Animal – Agroceres Multimix

3 COMENTÁRIOS

  1. Fazer ração para boi, hoje em dia, ficou ainda mais fácil. A fabricação com o próprio milho, tirado diretamente da roça, pode fazer uma ração boa e de qualidade, que vai, com certeza, engordar o seu gado com facilidade.

    • Olá Ricardo! Obrigado pela sua contribuição. Só acrescentando que os resultados zootécnicos nunca dependem apenas de um fator, além da necessidade de estarmos atentos à qualidade dos insumos que utilizamos, assim como aos processos de produção do alimento. Um abraço!

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