O período de transição é marcado por grande estresse metabólico, e geralmente compreende as três semanas antes e cerca de três semanas após o parto. Essa fase é caracterizada por redução no consumo de matéria seca, concomitantemente ao rápido crescimento do feto, desvio de nutrientes para produção de colostro, seguido pelo rápido aumento na produção de leite.
Esses eventos ocasionam o balanço energético negativo (BEN), já que as exigências nutricionais estão aumentadas, porém, a capacidade de consumo está reduzida, ocorrendo intensa mobilização de reservas corporais, desequilíbrio fisiológico e subsequente comprometimento da saúde, produção e estado reprodutivo.
Entre os principais distúrbios metabólicos que acometem os animais nessa fase, podemos citar:
- cetose,
- hipocalcemia,
- retenção de placenta,
- metrite,
- deslocamento de abomaso, entre outros.
Essas enfermidades são o principal motivo do alto índice de descarte no início da lactação e causam um déficit econômico de grande impacto aos sistemas produtivos.
Mobilização das reservas corporais
Após o parto, a mobilização das reservas corporais é uma adaptação fisiológica normal, sendo um mecanismo para compensar o BEN e, aliada a dietas balanceadas no pré e pós-parto, poderia reduzir a incidência de algumas doenças.
O grande problema ocorre quando essa mobilização é intensa, principalmente no caso de vacas que chegam obesas ao parto, ou mesmo vacas de alta produção que não conseguem suprir o déficit energético através da dieta. Em geral, a perda de vitalidade é visível nessa fase, em função dos eventos já citados anteriormente.
Uma estratégia interessante para minimizar esses problemas relacionados ao pós-parto seria o fornecimento forçado de nutrientes, através de soluções conhecidas como drench.
Drench
Drench é um suplemento mineral e energético, que tem a finalidade de:
- fornecer energia para a síntese de leite e minerais essenciais ao bom funcionamento celular,
- estimular a fermentação ruminal, além de
- reidratar a vaca.
Em geral, essas soluções podem contar com diversos compostos que promovem benefícios à saúde do animal, sendo alguns principais:
- Propilenoglicol: precursor de energia, tem potencial de promover a gliconeogênese, aumentando a glicose e reduzindo a necessidade de mobilização das reservas corporais e, consequentemente, minimizando o acúmulo de gordura no fígado.
- Propionato de cálcio: também é um precursor de energia e fonte de cálcio, que, por estar relacionado com contrações musculares, sua deficiência pode comprometer as contrações ruminais, reduzindo a motilidade ruminal e levando a deslocamento de abomaso. Também pode comprometer as contrações uterinas, o que resulta em retenção de placenta e, consequentemente, metrite, além de estar diretamente relacionado com a hipocalcemia.
- Fontes de sódio e potássio: reposição de eletrólitos.
- Água: promove a reidratação, além de funcionar como um peso adicional no rúmen para que ele ocupe o espaço deixado pela saída do feto. Isso reduz a probabilidade de deslocamento de abomaso.
Benefícios e manejo do Drench
O Drench é indicado logo após o parto e entre os benefícios que promove, estão:
- melhor desempenho no pós parto, em função do equilíbrio dos líquidos corporais,
- reequilíbrio da composição do organismo,
- aumento da glicose plasmática,
- redução do acúmulo de ácidos graxos não esterificados e gordura no fígado,
- prevenção da cetose, febre do leite e deslocamento do abomaso,
- estímulo à fermentação ruminal, consumo de matéria seca e água,
- melhora do desempenho produtivo e reprodutivo das vacas.
Entre as desvantagens está o uso de sonda esofágica para a administração do Drench, já que o procedimento exige um profissional capacitado, para que a sonda seja posicionada de forma correta, evitando que o líquido seja direcionado erroneamente para o pulmão do animal, o que poderia resultar na morte do mesmo.
Entretanto, hoje já existem opções de Drench de consumo voluntário, cujo manejo é simples e seguro, sendo administrado diretamente em baldes e dispensando o uso das sondas.
Propilenoglicol
Zhang et al (2020), em revisão sobre os efeitos do propilenoglicol no balanço energético negativo em vacas leiteiras no pós-parto, citam alguns trabalhos que observaram os benefícios do uso desse precursor de energia.
- Stokes e Golf (2001), por exemplo, suplementaram vacas com 300 ml de propilenoglicol (PG), ou 680g de propionato de cálcio (CP), diluídos em 9,5 l de água (o grupo controle (C) recebeu somente água).O fornecimento ocorreu quatro horas e 24h após o parto, observando-se:
- níveis plasmáticos mais baixos de ácidos graxos não esterificados no grupo PG, em comparação com os demais grupos,
- menor incidência de metrite nos grupos PG e CP, em comparação ao Controle,
- maior produção de leite no grupo que recebeu propilenoglicol, em relação ao controle.
- Zhang et al. também citaram o trabalho de Chalmeh (2020), que observou redução da resistência à insulina em vacas leiteiras, no período de transição, suplementadas com propilenoglicol e/ou monensina, sendo o efeito do propilenoglicol mais expressivo.
A menor resistência à insulina pode reduzir a mobilização das reservas corporais e diminuir o risco de doenças metabólicas em bovinos leiteiros no periparto.
- O trabalho de Bjerre-Harpøth et al (2015) teve como principal efeito da administração do propilenoglicol (500g/vaca/dia), o aumento do status de glicose (mM) – 3,57 no tratamento x 2,58 no controle – e a redução de BHB (mM) – 0,47 no tratamento x 2,57 no controle -, no período de uma a quatro semanas após o parto, contribuindo para redução no risco de cetose (figura 1).
É importante deixar claro que o Drench, independente de sua composição, funciona somente como uma suplementação no pós-parto imediato, não substituindo uma dieta de qualidade, bem formulada e adequada ao período de transição.
Portanto, por se tratar de um suporte adicional, sua associação a boas dietas pode ser decisiva para a prevenção de doenças metabólicas comuns nessa fase, possibilitando ao animal mostrar desempenho produtivo e reprodutivo compatíveis com seu potencial.