Agrupamento nutricional em rebanhos leiteiros no Brasil
A variabilidade existente nos diversos sistemas de produção e produtividade animal no Brasil é grande. Nesse sentido, diferentes estratégias de manejo nutricional são adotadas na alimentação de bovinos leiteiros. Isso se deve, basicamente, devido a fatores relacionados à genética dos animais, potencial produtivo, eficiência reprodutiva, custo e disponibilidade de insumos, preço de leite, dentre outros fatorem que impactam diretamente na nutrição.
Além da grande heterogeneidade entre os rebanhos brasileiros, existe a variabilidade dentro de um mesmo rebanho, e isso é uma consequência do comportamento da curva de lactação de cada animal. Geralmente, as vacas variam quanto a produção máxima no pico de lactação, dias do parto ao pico, taxa de manutenção ou taxa de queda de produção após o pico (persistência); e quanto ao intervalo do parto à nova concepção (quando se tornam gestantes novamente), o que definirá a data de secagem, ou seja, o período total de lactação e intervalo entre partos.
Basicamente, as dietas são formuladas buscando atender as exigências por nutrientes, levando-se em conta informações de cada animal no rebanho e essa demanda é variável de acordo com cada fator citado acima. Portanto, em um cenário nutricional perfeito, o ideal seria fornecer uma dieta para cada animal, atendendo sua demanda específica de acordo com a fase de produção, número de partos, status reprodutivo etc. Infelizmente, sabemos que isso não é possível em uma fazenda leiteira comercial, sendo que a dieta é formulada para um grupo (lote) ou para todo o rebanho (dieta única).
A exigência nutricional de vacas leiteiras não é constante durante toda sua lactação, sendo que, no início da lactação, a demanda proteica e energética é alta, mas o consumo de matéria seca nessa fase é relativamente baixo. No terço médio da lactação a demanda varia de acordo com o pico e persistência de produção; e no final, normalmente essa demanda é baixa. Isso requer diferentes estratégias ao longo da curva de lactação.
Em rebanhos que possuem alta produção, homogeneidade genética e potencial produtivo dos animais, alta persistência de lactação e bons índices reprodutivos, existe a possibilidade do uso da dieta única, sem grandes prejuízos econômicos e no metabolismo animal. Grosso modo, nesses rebanhos, os animais terão exigências nutricionais semelhantes nas diversas fases da curva de lactação e a utilização de dieta única pode facilitar o manejo. Entretanto, no Brasil, devido aos fatores de diversidade acima mencionados, uma boa distribuição de lotes é necessária para se formar grupos de vacas com exigência nutricional semelhantes. Caso isso não ocorra, poderemos estar subnutrindo determinados animais e superalimentando outros, com consequências metabólicas negativas para o rebanho. Outro ponto é a questão da eficiência reprodutiva dos animais. Estamos em um país de clima tropical, onde o estresse calórico é um desafio para a produção leiteira e capacidade dos animais, principalmente os mais produtivos para conceber. Muitas fazendas brasileiras têm dificuldade em emprenhar as vacas rapidamente após o parto, ou após o PEV (período de espera voluntário), e isso faz com que o DEL (dias em lactação) médio do rebanho se torne elevado. Nesse caso, os animais têm um prolongamento da lactação, devido ao aumento do período do parto à concepção e, consequentemente, à secagem, ou seja, aumento do intervalo entre partos.
Conforme podemos observar na figura 1, referente à curva de lactação de uma vaca leiteira, após o pico de lactação, temos um decréscimo constante de produção até a secagem. Se prolongarmos esse período, teremos maior proporção de vacas em final de lactação, e isso resulta em menor média de produção no rebanho e maior propensão desses animais em ganharem escore corporal. Nesta fase, a produção é diminuída e, consequentemente, a exigência nutricional é menor, além disso os animais passam a realizar depósito de energia nos tecidos corporais na forma de gordura. Nesse cenário, temos um alto desvio padrão entre a demanda nutricional por estágio de lactação no rebanho.
Fonte: Marcos Neves Pereira (AgriPoint)
Portanto, fazenda que possui DEL médio ou intervalo entre partos elevados, tem uma maior necessidade de agrupamento nutricional para que os lotes apresentem demanda por nutrientes semelhantes. Caso isso não ocorra, teremos um ganho de peso excessivo dos animais no final da lactação, com muitos animais apresentando ECC (escore de condição corporal) acima do ideal e aumento significativo do custo alimentar e consumo de concentrados.
Em um trabalho realizado pelo grupo do Dr. Vitor Cabrera da University of Wisconsin-Madison (Cabrera et al.,2012) foram utilizados dados de 30 rebanhos leiteiros de Wisconsin, com objetivo de avaliar decisões e estratégias de agrupamentos nutricionais. Nesse trabalho, calcularam o RSCA (renda sobre o custo alimentar), levando em consideração as características de cada rebanho e suas estratégias de manejo nutricional. O estudo relatou um aumento médio de RSCA para 3 dietas diferentes, quando comparado com apenas 1 dieta para os animais em lactação de U$ 366,00/vaca/ano (intervalo: U$ 161-580). Como pode ser observado na tabela 01, vários estudos ao longo do tempo, demonstram variação na RSCA, de acordo com o número de dietas para os animais em lactação, sendo a grande maioria com maior vantagem para utilização de 3 dietas diferentes. Todos esses ganhos de RSCA foram explicados pela maior produção de leite e menores custos de alimentação, graças a mais números de agrupamento nutricional.
Tabela 1 Pesquisa avaliando economia de agrupamento nutricional de vacas leiteiras (Fonte: V. E. Cabrera and A. S. Kalantari.,2016)
Referências | Tipo de estudo1 | Critério de agrupamento2 | Diferença em retorno sobre custo alimentar -($/vaca/ano) | ||
3 TMR – 1 TMR | 3 TMR – 2 TMR | 2 TMR – 1 TMR | |||
Smith et al., 1978 | F | DEL | 30 | ||
Cassel et al., 1984 | F | DEL | -1173 | ||
Williams and Oltenacu, 1992 | S | C | 31 | ||
Ostergaard et al., 1999 | S | DEL/M | 3 TMR > 2 TMR > 1 TMR receita liquida4 | ||
St-Pierre and Thraen, 1999 | S | C | 33 | 44 | |
Earleywine, 2001 | S | DEL | 44 | 38 | |
Cabrera et al., 2012 | S | NEL | 396 | ||
Cabrera and Kalantari, 2014 | S | NEL | 46 | 25 | 21 |
Kalantari et al., 20155 | S | C | 46 | 8 | 39 |
1F=Experimento de campo; S= Simulação.
2C= Categoria; M= Leite; NEL= Agrupamento por energia liquida.
3N= sem diferenças significativas em produção e consumo.
4Grande variação nos resultados confundidos com fatores de produção e rebanho incluindo custos adicionais e receita sobre custo alimentar.
5NEL médio e MP + 1 desvio padrão para formulação da dieta.
No Brasil, em algumas propriedades, podemos observar, em média, uma diferença de custo de R$6,00 a R$9,00 por vaca/dia, entre a dieta de início (alta produção) e final de lactação (baixa produção). Levando em consideração que poucas alterações seriam necessárias na dieta única, para atender um agrupamento de início de lactação e alta produção, podemos considerar um acréscimo de no máximo R$ 2,00 por vaca. Sendo assim, a economia gerada ao passar de dieta única para 2 dietas (alta e baixa produção), seria de R$3,00 a R$7,00 por dia para cada animal inserido no lote de baixa produção.
Outro ponto a ser considerado, é o agrupamento por ordem de parto ou idade, ou seja, agrupar os animais pelo mesmo número de lactação. Alguns autores indicam que tal critério de agrupamento pode resultar em benefícios devido às interações sociais entre os indivíduos do mesmo lote, pelo fato deles já se conhecerem e uma hierarquia já ter sido estabelecida. Entretanto, nesse modelo, teríamos novamente um desvio padrão elevado quanto a produção e requerimento de nutrientes, que resultariam em elevação do custo alimentar e ineficiências metabólicas.
Com relação à formação de um lote de novilhas (primíparas), devemos lembrar que estas possuem um menor consumo de matéria seca, devido ao menor peso vivo, e isso deve ser levado em consideração durante o agrupamento nutricional, visto que afeta diretamente o desempenho dessa categoria. Normalmente, os animais chegam ao primeiro parto com 80 a 85% do peso adulto e isso impacta diretamente na predição de consumo e, além disso, uma maior demanda de nutrientes destinados ao “término” do crescimento deve ser considerada na hora da formulação da dieta. Também devemos considerar que existe a questão da competição, em que, teoricamente, as primíparas teriam desvantagem em disputar cocho com vacas adultas por possuírem menor tamanho e peso corporal. E por último, mas não menos importante, seria a capacidade de poder realizar linha de ordenha, ou seja, ordenhar as novilhas primeiro, preservando a sanidade da glândula mamária dos animais de primeira lactação. Essa prática pode ter grande efetividade no controle, a curto, médio e longo prazo, de CCS e mastite subclínica do rebanho. Alguns autores relatam efeitos negativos relacionados a perturbações sociais no processo de agrupamento nutricional e mudanças de lotes. Portanto, na revisão mais recente sobre eficiência econômica de agrupamentos nutricionais, V. E. Cabrera and A. S. Kalantari. (2016), concluíram que perturbações sociais podem ocorrer com mudanças de grupo, dependendo do tamanho e dos recursos disponíveis, mas, se ocorrerem, terão vida curta e o impacto econômico será menor do que os benefícios do agrupamento nutricional.
É importante ressaltar que a divisão de lotes, primeiramente, tem que respeitar as possibilidades dentro da propriedade, como: tamanho dos lotes (espaço físico), número de locais ou cochos, espaçamento de cocho etc. Existem diversos métodos de agrupamento nutricional que podem ser utilizadas, de acordo com a estratégia de cada propriedade. Os mais comuns são por produção leiteira e estágio de lactação, porém pode-se utilizar também o critério de mérito leiteiro, que leva em consideração o peso metabólico dos animais, ordem de parto, entre outros. Uma vez definidos os grupos de animais, as dietas devem ser cuidadosamente formuladas, com base na distribuição dos requisitos de nutrientes do grupo. As dietas devem ser ajustadas dinamicamente de acordo com a variação das exigências dos grupos. As vacas adequadamente agrupadas não sofreriam deficiências nutricionais ou perdas de leite devido a uma mudança de dieta, V. E. Cabrera and A. S. Kalantari. (2016).
Agrupamento nutricional adequado afeta positivamente os índices de desempenho da fazenda, gerando redução de custo alimentar e gasto com concentrado, melhor balanceamento de nutrientes de acordo com a demanda dos animais, maior maleabilidade no controle de escore corporal e incidência de doenças metabólicas no rebanho; e possibilidade de estratégias diferentes de acordo com a fase, nível de produção, disponibilidade e custo de insumos. O correto agrupamento nutricional, a longo prazo, pode aumentar a uniformidade e distribuição geral do ECC (escore de condição corporal) do rebanho e, consequentemente, a saúde, a produção e a eficiência econômica, V. E. Cabrera and A. S. Kalantari. (2016).