Após entendermos a diferença de sistemas de produção e suas particularidades produtivas e econômicas, precisamos identificar o perfil do investidor para que ele se adeque à atividade a ser exercida. Para isso, diversos questionamentos devem ser realizados a fim de expormos suas características e anseios. Dentre esses questionamentos, separei alguns pontos que acredito serem cruciais para se identificar o objetivo dessa pessoa no negócio pecuário. Unindo-os e somando-os às características da propriedade e da região, teremos maior chance de acerto na escolha do sistema produtivo, conseguindo alinhar expectativa e resultado da melhor forma possível.
Já trabalhou com pecuária? Qual nível de conhecimento da atividade? [Histórico]
Esta pergunta introdutória tem a função de entender o histórico do investidor em relação à pecuária. Com o objetivo de conhecer as suas convicções, experiências prévias e o nível de entendimento da atividade. Ela não determina o futuro. Mas serve para desmistificar muitas crenças, reforçar conceitos, entender se esse histórico é positivo ou negativo para o negócio. A resposta impõe o quanto a pessoa deve buscar conhecimento, orientação sobre o negócio. Entender de terra, de boi (raça, peso, potencial produtivo…) e de mercado, são alguns pré-requisitos para entrar na atividade de forma mais sólida.
O que espera do negócio? [Anseios]
Conhecer os anseios do investidor é fundamental para defini-lo. Os anseios podem ser diversos e contemplar desde o campo emocional até o financeiro. Aqui, vamos nos ater a este último. Neste âmbito, há aquelas pessoas que buscam segurança no investimento e se sujeitam a pouco risco, mesmo que isso implique em baixo retorno do capital investido. Aqui, estamos falando, majoritariamente, de sistemas a pasto e mais extensivos. Enquanto há outro grupo que prefere se submeter a certos riscos em prol de uma melhor rentabilidade do capital. Nesse caso, há sistemas a pasto, confinados e mistos que podem encaixar, desde que sejam mais intensificados. Como dito no primeiro texto da série, a pecuária tem capacidade de absorver ambos os perfis.
Há também aqueles que buscam na atividade agropecuária, além de segurança e/ou rentabilidade, uma forma de imobilizar capital em terra, ativo que tende a se valorizar com o tempo.
Tem tempo para se dedicar à atividade? [Disponibilidade de tempo]
A disponibilidade de tempo é muito importante, principalmente nos casos de pequenos e médios produtores, quando não se comporta ter uma equipe robusta. É uma característica que serve para medir a capacidade do investidor de se dedicar à atividade, tanto da “porteira para dentro” quanto da “porteira para fora”. Por exemplo, a atividade de engorda, por ter um ciclo curto, demanda constantes comercializações de gado. Para quem não tem tempo, pode ser um entrave ou uma demanda de se ter alguém de confiança, responsável pela compra de animais.
Tem capacidade gerencial? [Gerenciamento]
Gerenciamento é imprescindível em qualquer negócio. Porém, não é raro de se deparar com pessoas, no meio pecuário, que não gostam de gerenciar ou simplesmente não fazem ou ainda não têm condições de fazê-lo com a estrutura administrativa atual.
A falta de gerenciamento é letal para qualquer sistema produtivo, mas a letalidade é potencializada em sistemas mais intensivos. Intensificação sem gestão pode gerar a falência no curto prazo. Em sistemas extensivos, o destino também é negativo, mas isso tende a se revelar no médio e longo prazo.
De acordo com as respostas anteriores, tomei a liberdade de nominar 8 tipos de perfis de investidor pecuário. Antes de tudo, deve-se esclarecer que a segurança não é oposta à boa rentabilidade. Aqui elas se opõem somente para indicar a diferença entre perfis seguros e arrojados. No entanto, consegue-se ter boa rentabilidade e segurança em um mesmo negócio, desde que bem gerido.
- Seguro controlado: Investidor capaz de trabalhar com sistemas extensivos e semi-intensivos a pasto, com baixo custeio, mas com muita eficiência produtiva. Por ter disponibilidade de tempo e capacidade de gerenciar, pode se dedicar à eficiência de manejos (pastagens, apartações, sanidade…) que geram pouca despesa, mas muitos benefícios produtivos. O perfil não é limitante em relação ao sistema de produção (cria, recria e engorda), somente à intensificação do mesmo.
- Seguro com restrição: Esse perfil de investidor talvez compreenda grande parte da classe pecuária mais tradicional. São pessoas dedicadas à atividade, mas que não gostam de aportar capital em custos variáveis (suplementação, adubação…), geradores de intensificação. Não gerenciam os seus processos e resultados. Tendem a privilegiar o ganho individual, renunciando ao desfrute, à taxa de lotação e ao lucro por hectare. Além disso, em muitos casos, focam mais no ganho comercial (diferença de preço de compra e venda), do que produtivo. No entanto, as margens de produção da @ reduziram cerca de 80% nos últimos 50 anos e não há espaço para subprodutividade. Esse perfil sofre com o impacto dos custos fixos (administração, manutenção, depreciação…) por produzir poucas arrobas por hectare.
- Seguro terceirizado: Se assemelha ao primeiro perfil, porém é muito mais dependente de ter mão de obra bem treinada e alinhada com os objetivos do negócio. É um perfil comum para pessoas que se dedicam a outro negócio, como sua atividade principal. Tem potencial para ser produtivo, basta ajustar a equipe de colaboradores. Em todos as atividades, a gestão e capacitação de pessoas é fundamental, mas nesse caso ela ganha uma relevância ainda maior.
- Imprudente no médio/longo prazo: Pessoa que prefere sistemas mais extensivos, porém é falho em participação ativa no negócio e em gerenciamento. É um perfil ruim. Frequentemente, esse investidor não é atingido pela falência rápida, mas observa a redução gradativa de seu capital de giro e o aumento da degradação de pastagens e depreciação de estruturas. Como dito anteriormente, este é destinado à descapitalização e falência no médio/longo prazo. Caso o novo entrante na atividade tenha esse perfil, o melhor é repensar o negócio ou mudar de atitude.
- Arrojado capaz: Esse é o perfil de investidor mais propício a construir um negócio pecuário lucrativo. Naturalmente, é uma pessoa que não se contenta com a baixa produtividade, além de ter tempo para se dedicar a capacidade gerencial. Está destinado aos sistemas mais intensivos, com: firmeza, razoabilidade e gestão de dados e processos. Consegue aliar boa rentabilidade e segurança. Esse perfil torna qualquer sistema de produção lucrativo. Nesse sentido, o que definirá o sistema serão o conjunto entre anseios, preferências do investidos e as características da propriedade.
- Arrojado com restrição: É um perfil de investidor que deseja ser produtivo, intensivista, mas na realidade não tem capacidade gerencial de tocar um sistema mais arrojado. Precisa investir em gestão, antes de chegar aos níveis mais elevados de intensificação, pois a falta de gerenciamento é um grande risco. Talvez seja melhor dar um passo atrás e iniciar com uma atividade mais segura, porém com possibilidade de intensificação futura, a fim de que primeiro o produtor aprenda a controlar seus processos, gerar dados e gerenciar resultados, para depois acelerar a produção.
- Arrojado terceirizado: É capaz de criar sistemas produtivos bem geridos, desde que seus colaboradores estejam alinhados. Por ser arrojado, admite riscos, mas não tem tempo para acompanhar de perto os processos. Assim, deve focar minuciosamente na contratação e treinamento da mão de obra, antes mesmo de intensificar o sistema produtivo. Esse investidor correrá um risco muito grande caso opte por um sistema intensivo, mas não tenha pessoas qualificadas ao seu lado. É papel do produtor, mas também é nosso, como consultores técnicos, identificar os limitantes da mão de obra, antes de propor qualquer tipo de intensificação.
- Imprudente no curto prazo: Esse é o perfil de investidor mais perigoso. São pessoas que anseiam altas rentabilidades, mas não estão presentes no negócio e nem gerenciam. Tendem a arruinar rapidamente. Normalmente estão desenvolvendo sistemas intensivos, com margens estreitas e riscos altos, mas estão à deriva por não gerenciarem. Nesse caso, a recomendação para esse investidor é repensar todo o negócio, pois a chance do insucesso é muito alta.
Quanto de capital quer aportar? [Disponibilidade de capital]
Por fim, e não menos importante, deve-se saber qual a disponibilidade de capital do investidor para o negócio pecuário. Isso não define o perfil do investidor, mas é preponderante para se determinar o perfil do investimento, pois indica o poder de compra e venda de animais e insumos, a possibilidade ou não de operações mais estruturadas e o volume do sistema a ser operado. Por exemplo: não é uma regra, mas operações de ciclo completo tendem a ser mais vantajosas quanto maior for o volume de animais trabalhados. Em pequenas propriedades, raramente esse sistema será o mais adequado.
Dentro desse questionamento, deve-se entender quanto esse capital representa para o investidor, em relação ao seu patrimônio. O comprometimento com a atividade deve independer disso. Porém, majoritariamente, a dedicação à atividade é equivalente à proporção do capital investido dentro do patrimônio total.
Convido o leitor a tentar se encaixar – ou a seus clientes – dentro desses perfis. A atividade que ocupa ou que pretende desempenhar se encaixa nele? Em que podemos melhorar (dedicação de tempo, gerenciamento, treinamento…)?
Na parte final de nossa série serão abordadas as características da propriedade e assim fecharemos o diagnóstico geral e poderemos indicar com mais precisão o sistema a ser adotado em cada situação analisada.