A capacidade em sermos mais produtivos e eficientes em atender à demanda dinâmica pela produção global de leite está baseada na saúde e desempenho dos animais lactantes, aqui no caso, vacas leiteiras.
A lactação é caracterizada por desafios metabólicos, imunológicos e reprodutivos. E doenças comuns durante este período levam a perdas econômicas para os produtores, relacionadas à redução na produção de leite, despesas veterinárias e descarte precoce de animais. A lactação impõe cargas fisiológicas extremas às vacas, tornando-as vulneráveis a essas doenças.
O período de transição das vacas leiteiras, que compreende as semanas anteriores e posteriores ao parto, é considerado um dos momentos mais delicados do ciclo produtivo. Nesse intervalo, o organismo da vaca passa por mudanças intensas no metabolismo endócrino e imunológico, o que aumenta significativamente sua vulnerabilidade a diversas doenças.
A hipocalcemia, por exemplo, afeta a contração muscular e pode dificultar a liberação do colostro, além de favorecer a ocorrência de doenças como retenção de placenta, metrite e deslocamento de abomaso.
Ao mesmo tempo, o chamado balanço energético negativo, comum logo após o parto, leva à mobilização acelerada das reservas de gordura, o que favorece o desenvolvimento da cetose. Essa condição compromete a produção de leite, enfraquece o sistema imunológico e eleva o risco de infecções uterinas.
Muitos desses problemas têm origens semelhantes, como ingestão insuficiente de matéria seca, mudanças bruscas na dieta, excesso de energia antes do parto e situações de estresse no ambiente.
Com a maior debilidade do sistema imune do animal, proveniente de doenças como cetose e hipocalcemia, aumentam-se as chances de ocorrência de mastite, outra doença bastante recorrente nos rebanhos leiteiros e que está entre as principais causas de perdas econômicas na atividade leiteira.
Além disso, distúrbios como o deslocamento de abomaso, doenças podais e a síndrome do jejuno hemorrágico são mais frequentes em vacas de alta produção, especialmente quando alimentadas com dietas muito fermentáveis e manejadas de forma inadequada.
Esses fatores contribuem para quadros de acidose subaguda, inflamação intestinal e prejuízos na digestão.
Por fim, a tripanossomose, embora tenha origem parasitária e características distintas, pode potencializar os impactos dessas doenças, já que provoca anemia, inflamação generalizada e queda no desempenho reprodutivo.
Como essas enfermidades costumam ocorrer simultaneamente no pós-parto e envolvem mecanismos fisiopatológicos semelhantes, é fundamental adotar estratégias integradas de manejo nutricional, sanitário e ambiental para reduzir os riscos e preservar a saúde e o desempenho do rebanho.
Muitos estudos trazem a cetose como uma doença primária do período pós-parto, e não como uma doença secundária recorrente de outro distúrbio metabólico. Vacas cetóticas também apresentam aumento do estresse oxidativo e um estado pró-inflamatório acentuado, o que reflete em disfunção metabólica contínua (Rico J. E. et al., 2024).
A cetose é ainda referenciada como doença de porta de entrada para o desenvolvimento de outras doenças clínicas, como esteatose hepática, deslocamento de abomaso, metrite, mastite e hipocalcemia, todas essas refletindo diretamente em produção e reprodução do rebanho, resultando em descarte precoce dos animais do rebanho.
Porém, estudos apresentados em revisão recém-publicada (Rico J. E. et al., 2024) também apontam para as cetonas, principalmente BHB, como fator benéfico no organismo do animal, com ação anti-inflamatória e sensibilizador de insulina em vacas saudáveis e com apetite.
A revisão citada trás justamente essa temática, de questionamento sobre a necessidade de mais estudos dirigidos de cetoses induzidas principalmente pela via nutricional, sobre a mensuração de corpos cetônicos na corrente sanguínea dos animais para entendermos se a presença deles em níveis de cetose clínica ou subclínica são prejudiciais ao desempenho produtivo e reprodutivo dos animais lactantes.
De modo geral as doenças mencionadas têm fatores interligados como transições nutricionais mal programadas, ambientes que gerem estresse ao animal seja por calor ou sujidade e manejo incorreto, principalmente da dieta, no período de transição entre pré-parto e pós-parto.
Portanto, é fundamental mantermos os ambientes de permanência dos animais bem manejados (limpos e secos sempre que possível) e adotar estratégias de nutrição que protejam os animais de possíveis estresses que possam ser gerados em transições dietéticas, além do uso de alguns aditivos estratégicos (metionina, colina, biotina, propilenoglicol) e minerais e vitaminas como selênio e vitamina E, que são antioxidantes, provendo melhor imunidade às vacas lactantes.
Referência
Invited review: Ketone biology—The shifting paradigm of ketones and ketosis in the dairy cow. Rico, J. Eduardo et al. 2024. Journal of Dairy Science, Volume 107, Issue 6, 3367 – 3388.