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Estrelas da pecuária

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Novilhas Nelore sob holofotes: elas avançam em precocidade, conquistam projetos de carne gourmet e são objeto de pesquisa da Apta-Colina, na esteira do Boi 7-7-7

As novilhas Nelore têm conquistado posições mais altas no pódio da pecuária, ultimamente. Escolhidas como grupo-alvo de seleção para precocidade e fornecedoras regulares de projetos de carne premium, devido à qualidade de suas carcaças, elas chamaram a atenção dos idealizadores do Boi 7-7-7, Flávio Dutra de Resende e Gustavo Rezende Siqueira, pesquisadores da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), pólo regional da Alta Mogiana, em Colina, SP. Atentos às necessidades do mercado, eles estão desenhando um modelo de produção específico para essas “estrelas zebuínas”, que pode dar novo impulso à pecuária brasileira, ao reduzir drasticamente o intervalo entre gerações e aumentar a produtividade de carne por área.

A proposta ainda não está consolidada, mas segue a mesma premissa estabelecida para os machos: metas de peso por fase produtiva. Se o boi 7-7-7 precisa ganhar 7@ na cria, 7@ na recria e 7@ na terminação até os 24 meses, o desafio imposto às fêmeas é desmamar com 6@ e ganhar mais 4@ na recria, atingindo condição corporal para emprenhar aos 13-14 meses. Para não perder o investimento inicial realizado, pode-se continuar suplementando aquelas que não emprenham precocemente, para que ganhem mais 5@ e sejam abatidas aos 18 meses com 15@, padrão desejado pelo mercado de carne de qualidade. O produtor que optar pela produção de fêmeas 6-4 (precocinhas) e 6-4-5 (novilhas padrão premium), terá, evidentemente, de investir em suplementação na recria. A questão é: quais estratégias permitem atingir essas metas? A Apta-Colina, junto com a Unesp-Botucatu (SP) e a Universidade da Flórida, além de empresas parceiras, criou um projeto amplo de pesquisa para responder essa pergunta.

Avaliando alternativas

A primeira etapa do trabalho concentrou-se nas precocinhas. Um experimento realizado entre 27 de agosto de 2018 e 5 de fevereiro de 2019, com 126 bezerras de 7-8 meses, avaliou três estratégias nutricionais diferentes para fazer as fêmeas ganharem 4@ nesses 160 dias: suplementação com ração de recria intensiva a pasto em nível crescente (0,8% do peso do vivo, na seca, e 1,2% do PV nas águas); mesmo tipo de produto na base de 1% do peso vivo, durante todo o experimento; e recria confinada, com 0,5% do PV em proteico-energético, mais silagem de milho à vontade. As bezerras, provenientes do rebanho da Apta, que conta com plantel de 600 matrizes, foram subdivididas em três lotes iguais (42 cabeças), monitoradas quanto ao ganho de peso na recria e, posteriormente, quanto a seu desempenho na IATF (inseminação artificial em tempo fixo).

A primeira estratégia nutricional foi sugerida por Philipe Moriel, professor da Universidade da Flórida, EUA, que desenvolve trabalhos com nutrição de fêmeas naquela instituição. “Alguns estudos com taurinos têm mostrado que começar fornecendo um nível menor de suplemento às fêmeas pode reduzir seu consumo alimentar em até 15%, sem prejudicar seu desempenho, em função do efeito compensatório pós-desmama, o que permite reduzir custos”, diz ele. As outras duas estratégias testadas pela Apta (1% do PV em ração ao longo de 160 dias e confinamento) visaram comparar dois modelos intensivos de recria para fêmeas. Essa análise ficou a cargo da zootecnista Laylles Costa Araújo, como parte de sua tese de doutorado na Unesp-Jaboticabal, sob orientação de Gustavo Siqueira, que é professor convidado da instituição, na área de pós-graduação em zootecnia.

Ganho de peso

Segundo especialistas em reprodução, já se obtém índice razoável de prenhez em novilhas Nelore de 270 kg, mas o ideal é que elas entrem na estação de monta com 300 kg (10@) aos 13-14 meses, para que tenham condições de levar a cabo uma gestação e – mais do que isso – desmamar um bezerro antes dos dois anos de idade. As fêmeas escolhidas para o experimento não tinham as almejadas 6@ à desmama, peso normalmente registrado por fêmeas Nelore de boa qualidade. Estavam mais leves (média de 152,6 kg), devido a problemas climáticos que prejudicaram as pastagens. “Tivemos um veranico de 20 dias na fazenda em janeiro de 2018, que afetou o capim, comprometendo sua capacidade de produzir massa forrageira para oferta na seca, o que reduziu o peso à desmama”, explica Flávio Dutra.

Com uma suplementação balanceada, contudo, as bezerras conseguiram se recuperar e ganhar uma média de  667 g/cab/dia ao longo dos 160 dias de experimento (quase 4@ no período), chegando no início da estação de monta com média de 256 kg. As rações, específicas para recria intensiva, foram fornecidas pela Agroceres Multimix, parceira do projeto. Nos dois tratamentos de pasto, as bezerras ficaram em 12 piquetes de 3,73 ha cada, sob pastejo contínuo, recebendo uma ração composta por farelos de milho e soja, ureia e núcleo mineral, com teor de proteína bruta de 22% na seca e 20% nas águas. Segundo Gustavo Siqueira, se o produtor conseguir comprar os ingredientes a preços mais acessíveis e tiver estrutura para misturá-los na fazenda, pode produzir esse tipo de ração ao custo de R$ 0,60- R$ 0,70/kg. No confinamento, foram usadas seis baias de 4 x 15 metros. O suplemento proteico-energético fornecido junto com a silagem continha 25% de PB.

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Flávio Dutra, diretor da Apta-Colina, com as pesquisadoras Laylles Costa Araújo (à esq.) e Laura Franco Prados, integrantes da equipe responsável pela pesquisa.

Não houve diferença significativa no ganho de peso entre as três estratégias nutricionais (veja tabela abaixo). Isso mostra que o pecuarista pode adotar qualquer uma delas, dependendo das condições de sua fazenda. “Se ele já produz silagem e quer liberar área de pastagem para outras categorias, pode fazer recria confinada, que não deve ser confundida com sequestro, prática normalmente usada na transição das águas para a seca, para aliviar a pressão sobre as pastagens, enquanto a recria confinada é mais longa e objetiva acelerar o desenvolvimento das fêmeas para emprenhá-las precocemente. Agora, se o pecuarista tiver disponibilidade de pasto, pode adotar uma das estratégias de suplementação na recria testadas pela Apta”, explica Matheus Henrique Moretti, técnico da Agroceres Multimix. Ressalva importante: quem emprenha fêmeas precocemente, precisa continuar suplementando-as, mesmo em níveis mais baixos, após a parição, para que voltem a conceber.

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No caso da modalidade de suplementação crescente testada na Apta (0,8% do PV na seca e 1,2% nas águas), Philipe Moriel chama a atenção para uma questão importante: ela depende muito das condições climáticas locais. Se houver algum problema que prejudique as pastagens, as novilhas podem não apresentar o ganho esperado e ficar mais leves do que aquelas que receberam suplementação constante. Por isso, ele recomenda repetir o experimento por mais um ano, visando testar a variação climática e observar se essa estratégia na recria funciona realmente em ambientes mais desafiadores.

Desempenho reprodutivo

Concluídas as análises comparativas de ganho de peso, deu-se início à segunda etapa da pesquisa: a avaliação de desempenho reprodutivo. Nas fêmeas tratadas a pasto com 0,8% do PV na seca e 1,2% nas águas, o índice de prenhez ficou em 47,4% após dois protocolos de IATF; nas que receberam 1% do PV de maneira contínua, o percentual foi menor (42,9%); e nas confinadas, 51,2%. Segundo Laura Franco Prados, doutora em nutrição e produção de ruminantes pela Universidade Federal de Viçosa, MG, e integrante da equipe que conduziu o trabalho, no início da monta, as fêmeas com peso acima de 270 kg registraram índice de 80%, ante 55% das mais leves (240-270 kg). Se as bezerras tivessem sido desmamadas com 180 kg, certamente teriam engordado mais na recria, garantindo maior taxa final de prenhez.

“Nossa meta, dadas as condições, era emprenhar 50% das fêmeas com peso próximo de 300 kg, com dois protocolos de IATF, sem repasse de touro. Chegamos perto disso. As precocinhas identificadas contribuirão para o melhoramento genético do rebanho, pois vão gerar filhas precoces e bois 7-7-7”, diz Flávio Dutra. Foram feitas quatro pesagens nas duas primeiras fases da pesquisa: uma no início do experimento de suplementação (27 de agosto de 2018), outra na passagem da seca para águas (22 de novembro), uma terceira antes da estação de monta (1º de fevereiro de 2019) e uma quarta após o diagnóstico de gestação (30 de abril passado). No início da suplementação, as fêmeas tinham 1,6 mm de cobertura de gordura, medida por meio de exames de ultrassom, e, ao final, apresentavam 3 mm. A Zoetis, outra parceira do projeto, forneceu um núcleo aditivado com lasalocida sódica para a ração e fármacos para os protocolos de indução de cio e IATF nas novilhas, além de vacinas e medicamentos.

Os resultados obtidos pela Apta confirmam a importância de se desmamar bezerras mais pesadas para elevar o percentual de prenhez em precocinhas. O Programa Qualitas Melhoramento Genético, que reúne 50 criatórios em sete Estados (MT, GO, MG, TO, BA, SP, RO), com 37.000 matrizes em avaliação, vem conseguindo índices excelentes em fêmeas desmamadas com 200 kg e inseminadas com 10@ aos 13-14 meses (ganho de 555 g/cab/dia no período, com suplementação). Muitos dos 20 criatórios participantes do programa que trabalham com precocinhas (17 de Nelore e três de Bonsmara) registram índice de prenhez de 60%-70% após duas IATFs (45% na primeira), em novilhas com esse padrão de peso.

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Novilhas do tratamento de pasto, durante a seca que se seguiu à desmama.
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Nas águas, um dos lotes mantidos a pasto recebeu 1,2% do PV em ração e o outro 1% do PV.
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Recria confinada: silagem de milho à vontade e 0,5% do PV em proteinado.
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Lote de novilhas que não emprenhou e continha sendo suplementado para abate aos 18 meses.

Viabilidade econômica

Segundo Leonardo Souza, diretor do Qualitas, o grande desafio é fazer as fêmeas ganhar peso de maneira contínua, tanto na seca quanto nas águas. “Suplementar custa dinheiro, mas dá retorno: antecipa-se a produção de bezerros em um ano, em comparação com novilhas prenhes aos 24 meses; produz-se  animais com potencial genético para precocidade e maior capacidade de ganho de peso; aumenta-se, consequentemente, a produção de carne por hectare”, argumenta ele, acrescentando: “Nenhuma outra estratégia possibilita tamanho aumento no ganho de peso em rebanhos de cria quanto emprenhar novilhas aos 14 meses, pois, ao contrário das vacas adultas, cuja contribuição se dá apenas por meio de seus bezerros, as precocinhas incluem, no estoque global da fazenda, os quilos que ganham enquanto se desenvolvem e os de suas crias”.

Em uma simulação feita por ele em 2018, comparando o resultado econômico de dois rebanhos, alojados em 1.000 ha, com a mesma quantidade de novilhas de reposição – um deles inseminando-as aos 14 meses com 50% de prenhez e o outro aos 24 –, o primeiro apurou receita total de R$1.294.300, ante R$ 928.970 do segundo, devido à maior quantidade de bezerros produzidos. O rebanho que inseminou aos 12 meses faturou R$ 365.300 a mais (incremento de 39%). A suplementação durante a recria na seca, segundo Souza, pode ser feita de muitas maneiras: em pastagens perenes ou em confinamento com um consumo mais alto, como se testou na Apta, ou em pastos temporários de integração lavoura-pecuária, com 0,3% do peso vivo.

Para José Luiz Moraes Vasconcelos, o “professor Zequinha”, da Unesp de Botucatu, grande defensor da prática de se emprenhar novilhas aos 14 meses, o fornecimento diário de 1 kg ou mais de ração por bezerra durante a recria é caro, talvez somente viável em regiões agrícolas, onde se tem grãos baratos, mas é preciso continuar buscando alternativas adequadas a cada fazenda. “O gado Nelore de qualidade é nosso mercado, nossa base. Precisamos ter mais matrizes precoces parindo bezerros do cedo (julho a setembro), que desmamam pesados e fornecem carcaças desejadas pelo mercado”, justifica.

Que fazer com as vazias?

Mesmo com índices de prenhez expressos como os do Qualitas, ainda restarão novilhas que não emprenham aos 14 meses. Que fazer com elas? A proposta dos pesquisadores da Apta é continuar suplementando-as em alto nível, para que atinjam 14-15@, num prazo de quatro/cinco meses, e possam ser abatidas. Foi o que a instituição fez com as 67 novilhas do experimento que não emprenharam na estação de monta. Elas continuam sendo avaliadas na terceira etapa da pesquisa, que vai mensurar seu ganho de peso e qualidade de carcaça. Estão recebendo ração equivalente a 2% de seu PV, visando ganho de 1 kg/cab/dia. Como a média dos lotes foi de 318,6 kg ao final da estação de monta em 30 de abril, elas terão de ganhar mais 71,4 kg para chegar aos 390 kg (13@), mínimo aceito pelo mercado de carne gourmet, ou mais 131,4 kg, se a meta for 15@.

A decisão de engordar as fêmeas vazias foi tomada após muita análise econômica. Segundo Flávio Dutra, a estratégia é compensadora. “Se considerarmos que o aluguel de pasto custa R$ 25/cab/mês, deixar essas novilhas na área, sem suplementação, por mais um ano, custaria R$ 300/cab. Com esse valor, dá para comprar 300 kg de suplemento, quantidade suficiente para suplementar um animal de 270 kg, na proporção de 1,5% de seu PV (4 kg/cab/dia) durante 75 dias, ou seja, durante 60% do tempo previsto para engorda dessas fêmeas, que é de 120 dias.

Essas novilhas gordas recebem preço diferenciado? Se tiverem até quatro dentes definitivos e cobertura de gordura mediana (mínimo de 3 mm), sim. É o que garante Melina Izidoro Marchi, coordenadora nacional de compra de gado e relacionamento com os pecuaristas da Minerva Foods. Parceira da Apta, a empresa se comprometeu a adquirir todas as novilhas que chegarem a essa condição com no mínimo 13@, não somente porque tem indústria a 20 km de Colina, mas porque acabou de lançar a marca Estância 92, abastecida majoritariamente por fêmeas Nelore.

“Fizemos vários testes e concluímos que elas apresentam boa caracterização para carne de qualidade e são mais fáceis de fazer, além de estarem disponíveis em quantidade maior do que as meio-sangue Angus, que têm ocupado espaço privilegiado nesse mercado”, diz Melina. Flávio Dutra destaca ainda três outras vantagens das novilhas Nelore: “elas podem ser terminadas mais leves do que os machos, têm melhor acabamento de carcaça e menos problema de pH na carne, por serem menos reativas”.

 *Fonte: Revista DBO (Ano 38 – nº 464 – Junho de 2019).

 Autor: Moacir José, editor executivo da Revista DBO.

 

Nutrição Animal – Agroceres Multimix

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