Grão de Milheto na alimentação animal
Com origem na África, o milheto é considerado o sexto cereal mais importante do mundo, ficando atrás do trigo, arroz, milho, cevada e sorgo. A Índia é o maior produtor mundial e, assim como acontece nos países africanos, esse cereal é amplamente consumido pela população. No Brasil, sua utilização como alimento integral foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2021 e a partir de 2022, seu uso não será mais restrito à nutrição animal e poderá ser utilizado na fabricação de alimentos para humanos no país.
No Brasil, vemos o milheto sendo utilizado para produção de forragem, cobertura de solo, rotação de cultura e produção de grãos para alimentação animal. Como cultura, apresenta crescimento rápido, boa tolerância a solos arenosos e com menor fertilidade, bom desenvolvimento em clima semiárido, tem boa resistência ao calor e estresse hídrico devido suas raízes profundas e eficiente aproveitamento da água para produção de matéria seca.
O grão de milheto
O milheto é classificado como um alimento concentrado energético pois apresenta menos de 18% de fibra e menos de 20% de proteína bruta. Na tabela 1 é possível observar as estruturas que compõem o grão de milheto e compará-las ao grão de milho.
Tabela 1- Distribuição das estruturas dos grãos de milho e milheto
Milho | Milheto | |
Endosperma | 83% | 75% |
Gérmen | 11% | 17% |
Pericarpo | 6% | 8% |
No endosperma do grão é onde está a maior parte do amido. Assim como outros grãos energéticos, por exemplo sorgo, o amido presente no endosperma do milheto é depositado em “casulos” formado por prolaminas, um tipo de matriz proteica que se forma ao redor do amido e dificulta sua degradação. No gérmen é onde estão concentrados os lipídios, minerais e a maior parte da proteína do grão (albuminas, globulinas e glutelinas), que servem como reserva nutritiva ao embrião. O pericarpo é a casca do grão, composta basicamente por hemicelulose e celulose, e sua principal função é proteger as demais estruturas contra umidade e danos físicos.
Entender a origem dos nutrientes que compõem o grão de milheto, ajuda a entender sua variação nutricional em relação ao milho. De forma geral, o milheto apresenta maior proporção de gérmen e pericarpo e menor proporção de endosperma. Essas características estruturais conferem ao milheto menor teor de amido e maior quantidade de proteína, extrato etéreo e fibras quando comparado ao milho (Tabela 2).
Tabela 2 – Composição química do milheto, sorgo e milho, em matéria seca
Milheto | Sorgo | Milho | |
Matéria seca (%) | 88,95 | 88,01 | 87,96 |
Proteína bruta (%) | 13,35 | 9,33 | 9,01 |
Extrato etéreo (%) | 4,49 | 2,91 | 4,02 |
FDN (%) | 20,86 | 14,01 | 13,05 |
FDA (%) | 7,21 | 5,86 | 3,89 |
ENN (%) | 73,05 | 73,61 | 74,98 |
CNF (%) | 53,22 | 73,44 | 72,32 |
NDT (%) | 77,42 | 79,86 | 86,11 |
Amido (%) | 63,03 | 64,51 | 71,45 |
Fonte: VALADARES FILHO, S.C., LOPES, S.A. et al., CQBAL 4.0. Tabelas Brasileiras de Composição de Alimentos para Ruminantes. 2018. Disponível em:www.cqbal.com.br
Em relação a quantidade de proteína, esta pode variar de 12 a 20% e é composta por 40% de prolaminas e 20% de globulinas, com aproximadamente 89% de digestibilidade, cerca de 0,37% de lisina e 0,27% de metionina, sendo considerada uma proteína de boa qualidade. Devido a maior quantidade e qualidade de proteína, em formulações que utilizam milheto, serão necessários alguns ajustes que poderão diminuir a inclusão de outras fontes de proteína. No quesito qualidade e teor de proteína, o milheto se mostra superior ao sorgo e milho.
O extrato etéreo do milheto pode variar entre 4 e 7%. Seu extrato etéreo é composto por 75% de ácidos graxos insaturados dos quais 40 a 52% é linoleico (ômega 6), 20 a 31% é oleico (ômega 9) e 2 a 5% é linolênico (ômega 3), além de 24% de ácidos graxos saturados sendo 18 a 25% ácido palmítico e 2 a 8% esteárico.
Quando comparado ao milho, a energia metabolizável do milheto é cerca de 10% menor. Esse fato está relacionado aos maiores teores de fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA), celulose e lignina, além de apresentar menores teores de hemicelulose, carboidratos não fibrosos e extrativos não nitrogenados (ENN). O milheto apresenta ao redor de 10% menos amido do que o milho.
Limitação do grão de milheto
Em muitos países, a palavra milheto é utilizada para nomear grãos de tamanho pequeno, o que no Brasil não é diferente, apresentando cerca de 1/3 do tamanho do grão de sorgo. Como já citado, assim como o sorgo, o amido do grão de milheto é envolto por uma matriz proteica e, por esse motivo, o animal aproveitará melhor o milheto após o processo de moagem, sem esta o maior desafio relacionado ao seu uso dentro da propriedade.
Dado seu tamanho, a moagem do milheto se mostra mais complicada do que a moagem do sorgo. Enquanto o sorgo requer uma peneira de 2 mm, o milheto irá exigir uma peneira de, no máximo, 1,5 mm. Com isso, o rendimento da operação de moagem poderá ser prejudicado (redução na quantidade de insumo moído por hora) o que refletirá no manejo operacional da fazenda (fabricação e distribuição de dieta, por exemplo), assim como impactará no custo final da tonelada do milheto moído (quando considerado o gasto com energia e mão de obra para moer uma menor quantidade de alimento por hora). Além disso, problemas com maquinários podem ocorrer como, por exemplo, esquentar demais o moinho o que, além de atrasar a operação, poderá elevar os custos com manutenção.
O que considerar na avaliação do uso do milheto?
O grão de milheto se apresenta como um bom substituto ao milho (parcial ou total), mas, ao avaliar o seu uso, alguns pontos além do preço devem ser considerados:
– Todo insumo precisa ser processado corretamente para que seu aproveitamento seja otimizado;
– O processo de moagem do milheto é mais difícil do que os demais grãos pois a redução na eficiência de moagem não só comprometerá o operacional da fazenda, como também aumentará os custos do processo;
– Ao avaliar a substituição do milho por milheto, é importante lembrar que ele apresenta cerca de 10% menos amido e ao redor de 90% da energia;
– Seu teor de proteína elevado, com boa digestibilidade, pode ajudar a diminuir a inclusão de outras fontes de proteína nas formulações;
– Para avaliar o custo-benefício do milheto é importante considerar 4 fatores: a redução da eficiência da moagem; o impacto do custo da moagem no preço final da tonelada de milheto moído; seu menor teor energético frente ao milho; a economia que poderá haver devido a menor inclusão de fontes de proteína.
Muito bom mesmo. Adoro os artigos de voçes. São sempre muitos esclarecedores e técnicos. Parabéns mais uma vez. Sou leitor assíduo.