Formação de lotes no confinamento:
Estamos cada vez mais próximos da entressafra, período do ano no qual a concentração de bovinos confinados aumenta consideravelmente em função, principalmente, do déficit hídrico que reduz a quantidade e qualidade do pasto. O confinamento é uma estratégia que deve ser obrigatoriamente adotada no sistema de produção, uma vez que o aumento da exigência energética dos animais que estão para entrar na fase de engorda não é mais atendida somente pelo pasto, sendo necessário a adoção de uma alternativa mais intensiva de produção, como a formação de lotes. Além dessa categoria de confinadores da entressafra, há aqueles que utilizam a estratégia do confinamento durante o ano todo, inclusive no período das águas.
Em ambos cenários, ao pensar em confinar os animais, é natural surgirem alguns questionamentos e dúvidas. No entanto, antes de iniciar a atividade, qualquer tipo de dúvida deve ser sanada, considerando que o menor número de imprevistos ocorra e comprometa o desempenho do confinamento e o resultado final. Nessa fase, qualquer detalhe é de extrema importância, uma vez que, a fase de engorda é curta e de alta taxa de ganho, representando em um sistema completo de 2 anos aproximadamente, 16% da vida do animal, não sobrando espaço para falhas. Durante o confinamento, os detalhes ditarão o lucro dessa fase.
Dentre as várias dúvidas que surgem em relação à operação do confinamento, o que será discutido neste artigo é a formação de lotes, como definir quais e quantos animais colocar em cada lote, além de discutir esse efeito no resultado final almejado.
Para começar, antes de falarmos em formação de lote, é imprescindível entender como os bovinos se comportam socialmente, visto que existe uma organização hierárquica de dominância dentro dos lotes. Sendo assim, devemos entende-los para explorá-los da melhor forma possível e fazer com que isso se converta no máximo de ganho para todos os animais. Quem trabalha com bovinos e os observa sabe que eles são animais que gostam de rotina, e que existem aqueles dominantes que chegam primeiro no cocho, comem mais que os outros, brigam, montam nos mais fracos e menores (dominados) e ganham mais peso. Se soubermos de tudo isso, já é “meio caminho andado” para entender sobre a necessidade de formação de lotes e evitar ao máximo a despadronização.
Na verdade, pensar no comportamento e bem-estar do animal é pensar também no bem-estar do bolso, ou seja, animal melhor ambientado no confinamento é sinônimo de maior produção e maior lucro. Ao pensarmos em qual ambiente é mais natural para os bovinos, automaticamente vem em nossa mente a ideia de um bom pasto com boa oferta de água. Ao confiná-los, mudamos alguns aspectos, principalmente, reduzimos seu espaço e fornecemos a comida toda num cocho, portanto, é importante entender que os animais necessitam de espaço suficiente e precisam ter acesso adequado ao cocho para comer bem, pois isto ditará muito o desempenho.
Para o confinador, é interessante que o máximo possível de animais sejam terminados ao mesmo tempo, para que não haja problema de heterogeneidade no momento de manda-los para o frigorífico. Para isto, é imprescindível a correta formação do lote inicial, sendo preferido que esse seja formado apenas uma vez e permaneça junto até o fim, pois toda vez que o lote é alterado, há novo arranjo social para voltar a normalidade, ou seja, mais brigas e prejuízo no desempenho. Afinal, quem já viu uma mistura de lote por algum motivo sabe bem do que estou falando.
Para que esses animais atinjam o grau de acabamento necessário em tempos similares e diminua a despadronização, é necessário que o lote seja formado por indivíduos mais semelhantes possíveis, para que os padrões de crescimento dos mesmos sejam similares, isso inclui selecionar, basicamente, por: mesma raça, mesmo sexo, inteiro ou castrado, com idade e peso similares. Outro método – um pouco mais detalhista – de formação de lotes que funciona bem, dependendo da acurácia de quem está apartando os animais é o método visual que, somado ao método anterior, ocorre o agrupamento de animais com mesmo escore de condição corporal. Nesse caso, o avaliador determina seu próprio padrão de escore visual, gerando notas, como de 1 a 5 ou 1 a 10 para o escore de condição corporal e assim determina também qual lote o mesmo entrará, priorizando que animais do mesmo escore ou escore semelhantes fiquem juntos. Essa classificação permite separarmos lotes mais padronizados sobre a perspectiva do tempo de cocho, uma vez que estaríamos agrupando no lote sempre animais de mesmo escore, por exemplo: um lote de animais com escore 3 (escala de 1 a 10) demandará mais tempo de cocho do que um lote de animais com escore 4.
Como guia prático para o planejamento da operação, em média, para aumentar um ponto de escore, os animais precisarão de aproximadamente 40 dias de cocho. Com essa informação e sabendo o escore de entrada, é possível programar a expectativa de dias de cocho para aquele lote específico. Normalmente, temos abatidos animais com escore entre 7 a 8, dependendo do cenário e objetivo de cada produtor.
Além dos métodos mais comuns citados anteriormente, ainda há opção para a realização de ultrassonografia para aparte de lotes. Esse método aumenta a precisão, pois a ultrassonografia avalia várias medidas de carcaça do animal, como: área de olho de lombo (contrafilé), espessura de gordura e grau de marmoreio. Nesse ponto, é importante ressaltar que o padrão de animais que entram em confinamento no Brasil possui pequena camada de gordura, portanto, pequenas variações na leitura podem comprometer essas informações. O aparte, nesse caso, é feito por meio de equações que geram uma previsão de quanto tempo será necessário para o animal atingir o peso e grau de acabamento desejado, sendo possível apartar os lotes no mesmo momento no curral e padronizar para que os animais dentro de cada lote atinjam o acabamento necessário, o mais próximo possível.
Cada fazenda tem seu método de formação de lotes e sabe o que é possível ser feito em sua realidade, porém, é importante ter em mente que quanto mais criterioso (consistente) for o aparte, mais uniforme será o lote formado, reduzindo as fontes de variação a probabilidade de ficarem “prontos” juntos é maior. Isso diminui, por exemplo, a necessidade de “descascar” muito o lote (para quem utiliza esse manejo), pois mesmo que a venda dos animais não seja feita toda de uma vez, com a maior homogeneidade do lote há redução do número de vezes que o lote será “descascado”.
Definido a estratégia de como apartar os animais, as próximas perguntas são: qual o tamanho do lote ideal e qual a área?
O bovino é capaz de reconhecer de 100 a 120 indivíduos como membros de seu grupo, conseguindo dessa forma determinar o nível de hierarquia de cada um deles, sendo que, lotes maiores prejudicam essa estabilidade, ocasionando mais brigas e competições dentro do grupo, reduzindo desempenho do lote e ocasionando maior heterogeneidade, ou seja, mais animais fundos. De acordo com Quintiliano e Paranhos da Costa (2013), a recomendação é trabalhar com lotes de até 120 cabeças. Na prática, encontramos lotes maiores, necessitando assim de ainda mais atenção em outros aspectos relacionados ao bem-estar dos animais, como será descrito a seguir.
Quando falamos de padronização ou homogeneidade do lote, isto significa reduzir a diferença de animais cabeceira, meio e fundo, e isso já é muito reduzido quando há formação de lotes homogêneos no início do confinamento e com grupos de até 120 animais como dito anteriormente. Outro ponto imprescindível é o espaço dos animais na baia e o acesso deles ao cocho. Por mais que os lotes sejam homogêneos, a questão da dominância ainda existirá – pela questão social – e isso será mais reduzido com espaços adequados.
No Brasil, é comum a recomendação de 10 a 12m2/cabeça, porém, estudos recentes mostram que maiores espaços geram melhores desempenhos, sendo que, com 24m2/cabeça, os animais apresentaram em média 0,140 kg/dia a mais de ganho quando comparado a 6 e 12m2/cabeça. (Quintiliano e Paranhos da Costa, 2013). Outro estudo realizado pelo mesmo grupo de pesquisa e com as mesmas áreas anteriores (6, 12 e 24m2/cabeça), mostrou que com 24m2/cabeça há menor ocorrência de poeira e profundidade da lama, menores problemas nasais, oculares e de locomoção, maior ganho de peso e menor número médio de hematomas novos e superficiais por carcaça, quando comparado aos outros (Macitelli, 2015).
Esse maior ganho de peso se deve a menor variabilidade de ganho dos animais dentro do lote, ou seja, menor formação de animais fundo, havendo assim melhora em desempenho e na homogeneidade do lote. Na maioria das vezes, o produtor está acostumado a avaliar apenas a média, e não se atenta à proporção de fundo no lote. Normalmente, chamados de animais “ladrões”, pois esses puxam a média de ganho para baixo, comprometendo todo o trabalho inicial de formação de lote. Sendo assim, não adianta um excelente trabalho inicial se houverem outros pontos falhos, nesse caso, por falta de espaço, há aumento na competição e, consequentemente, na variabilidade dos resultados, obrigando o produtor a descascar o lote.
Outra questão importante de ressaltar, e que deve ser levada em consideração, é o aparecimento de hematomas, que são retirados da carcaça no frigorífico, sendo uma fonte de prejuízo ao produtor, uma vez que estes são removidos da carcaça, reduzindo a remuneração paga por aquele animal.
A questão do espaço se agrava ainda mais em confinamento que opera nas águas. O agravante, nesse caso, será a formação de lama, que dificulta o acesso ao cocho, pode ocasionar problemas sanitários e reduz o consumo e desempenho dos animais. Portanto, formar lotes menores e com maior área por animal, nessa época do ano, é imprescindível para redução desses problemas.
Pensem que um simples manejo de formação de lotes, de maneira adequada, respeitando a área necessária por animal, tem impacto fundamental no resultado final do confinamento, influenciando diretamente em aspectos econômicos da atividade.
Imaginem qual seria o impacto de reduzir o fundo, ou seja, mais animais saindo juntos e com melhor padrão de acabamento, além de melhora no rendimento de carcaça, por haver menos brigas e hematomas a serem retirados no abate.
A mensagem que deve ficar é que: antes de começar a confinar, lembre-se do comportamento dos animais, planeje a formação de lotes para evitar surpresas desagradáveis, evite misturar lotes e se adeque o máximo possível as recomendações. Fazendo uma analogia ao futebol, para que o time vença a partida, primeiramente é necessário que o técnico escale bem os jogadores e o confinamento começa na escalação, ou seja, na formação de lotes que serão confinados.
Muito bem explicado esse artigo, parabéns
Parabéns pelo artigo Renan.