Somos eficientes na produção de carne bovina?
A população mundial deverá aumentar em 2 bilhões de pessoas nos próximos 30 anos, totalizando 9,7 bilhões de indivíduos em 2050. A grande questão que surge, e que já está sendo discutida por importantes players de mercado, é: como aumentar a produção para alimentar quase 10 bilhões de pessoas em um espaço tão curto de tempo, de forma sustentável.
Ao falar de alimento, é imprescindível destacar o papel da proteína na alimentação humana, sendo a de origem animal de grande importância, visto que essa é fonte exclusiva de importantes nutrientes envolvidos em diversas funções vitais do organismo humano.
Segundo projeções das Organizações das Nações Unidas, até 2028, espera-se que o consumo mundial de carne, per capita, aumente 0,4 kg, devido a uma combinação de aumento populacional e de renda, principalmente em países asiáticos e latino-americanos. Nos países em desenvolvimento, os preços mais atrativos das carnes de aves e suínos contribuíram para a preferência dos consumidores por esses produtos, mas o aumento da renda da população acaba permitindo que ocorra a diversificação gradual do consumo de carne para produtos com preços mais elevados, como a carne bovina.
Ao falar em produção bovina, o mundo volta os olhos para 3 países específicos: Índia, Brasil e Estados Unidos. A Índia apresenta o maior rebanho do mundo, porém, quase metade é composto por bubalinos, sendo assim, o Brasil possui o maior rebanho comercial de bovinos do mundo e briga diretamente com o Estados Unidos pelo mercado mundial de carne.
Avaliando a evolução dos rebanhos mundiais, é fato que a pecuária brasileira está em franca evolução e, apesar de algumas dificuldades enfrentadas em anos anteriores, assumiu papel de destaque no cenário mundial. Houve um desenvolvimento significativo no setor pecuário nos últimos 18 anos e hoje o Brasil é o maior exportador de carne bovina (ultrapassando Índia, Estados Unidos e Austrália), terceiro maior consumidor total (7.914 mil toneladas, atrás dos Estados Unidos e China) e o segundo maior consumidor per capita (42,12 kg/hab/ano, atrás da Argentina).
Esse desenvolvimento é reflexo do aprimoramento de toda estrutura da cadeia, na qual a evolução do agronegócio brasileiro tem proporcionado aos “empresários do campo” uma série de ataques, muitas vezes infundados, relacionados ao meio ambiente e sustentabilidade. Contrariando as expectativas dos “inimigos do agronegócio”, nos últimos 29 anos, a produtividade brasileira apresentou um aumento de 176%, deixando de desmatar 250 milhões de hectares, graças ao uso de novas tecnologias. Com isso, o crescimento do rebanho bovino brasileiro ocorreu simultaneamente à queda da área de pastagens utilizadas para a atividade (15%), e passamos a produzir mais arrobas por hectare no ano (4,5@).
Apesar do incremento da produção brasileira, ainda temos um caminho considerável pela frente se o objetivo for atingir a excelência na produção pecuária. Nesse caso, um exemplo de eficiência de produção é o Estados Unidos que, mesmo com um rebanho 2,5 vezes menor do que o Brasil, ocupam o lugar de maior produtor de carne bovina mundial. Isso é possível devido ao maior e melhor uso dos recursos disponíveis, em que, por exemplo, um único bovino americano produz cerca de 130 kg de carne, contra 56 kg produzidos no Brasil, permitindo aos americanos produzirem 20% da carne mundial, possuindo apenas 9,6% do rebanho.
Como o Estados Unidos conseguiram atingir tais patamares de eficiência?
Os americanos são os maiores produtores e maiores consumidores de carne bovina no mundo. Em relação ao volume de exportação, figuram como 3º colocado, ficando atrás do Brasil (1º) e Índia (2º). Já em volume de importação ocupam a segunda colocação, ficando atrás apenas dos chineses. Como um país que produz tanto, consegue importar e exportar grande volume de um mesmo produto e ainda influenciar diretamente o comércio mundial de carne?
A resposta para esta pergunta é simples: atendendo os mercados mais exigentes do mundo, com mercadoria de melhor qualidade e assim vendendo a preços mais altos. Em contrapartida, importam carne mais magra, principalmente de dianteiro, a preços mais baixos, mantendo o jogo a seu favor.
Os principais importadores de carne americana são Japão, México, Coreia do Sul, Canadá e Hong Kong, onde a maioria demanda por carne de melhor qualidade, ou seja, produto de maior valor agregado. Já a indústria americana, com grande participação de redes de fast food, demanda por carne magra para produção de hambúrguer e outros afins, que é um produto mais barato. Como conseguem importar carne magra, a um preço baixo, os Estados Unidos direcionam a produção interna de carne bovina, de forma eficiente, para os cortes de maior qualidade.
Para se ter uma ideia, a demanda de mercados como Coreia do Sul, Japão, Taiwan e alguns países do leste Asiático impactaram positivamente as exportações americanas em 2018, tanto em receita quanto em volume. Segundo dados da Federação de Exportação de Carnes dos EUA (USMEF), em 2018, os americanos exportaram 7% a mais de toneladas de carne, em comparação a 2017, o que representou uma receita de US$ 8,33 bilhões, um acréscimo de 15% no valor das exportações em relação ao ano anterior. Sendo assim, mesmo não ocupando o primeiro lugar no ranking de maiores exportadores de carne bovina, em volume, quando o assunto é dinheiro, o Estados Unidos conseguem ocupar posição de destaque.
Para produzir mais e melhor, a intensificação se tornou algo imprescindível para a eficiência da pecuária de corte americana. Podemos definir a intensificação da pecuária como um processo que permite produzir mais arrobas por hectare, com o uso de tecnologias, incluindo nutrição.
O uso correto das tecnologias disponíveis permite aos americanos uma taxa de desfrute ao redor de 39%, com o abate de aproximadamente 37 milhões de animais por ano. É importante salientar que, assim como no Brasil, a pecuária americana é bastante impactada pela seca severa que atinge importantes estados ligados à atividade, incluindo o Texas, onde está concentrada a maior parte do rebanho (13,2%), e Califórnia (5,5%). Com a necessidade de fornecer mais grãos para os animais e ainda diminuir o impacto da seca nos custos de produção, a pecuária de corte americana tem migrado para regiões produtoras de grãos (milho, DDGs, trigo, entre outros).
Dos 3 estados com maior rebanho de bovinos, 2 deles situam-se na região conhecida como “Corn Belt” ou “Cinturão do Milho”, que são o Nebraska, com 7,2% do rebanho americano e Kansas com 6,7%. Outros estados que fazem parte desse cinturão têm apresentado aumento no número de animais, como é o caso da Dakota do Sul e Missouri. A migração da pecuária para áreas com maior disponibilidade de matéria-prima para nutrição animal, com menor custo, permite o aumento da intensificação da recria e o surgimento de confinamento menores.
Outro ponto que contribui para tal eficiência de produção está relacionada a melhor exploração da carcaça dos animais norte-americanos. Em 2018 houve um aumento do peso de carcaça de novilhos de 2 kg, com isso, um novilho americano abatido apresentou, em média, um peso de carcaça de 399,16 kg. Já novilhas tiveram um aumento de peso de carcaça de 2,26 kg, em 2018, apresentando uma carcaça com peso médio de 370,16 kg. O peso das carcaças de fêmeas segue crescendo e, em 2018, as carcaças de novilhas apresentaram 92,7% do peso das carcaças de novilhos, número recorde que indica maior produção de uma carne muito apreciada por importantes mercados mundiais.
É fato que, com a intensificação da fase de recria e terminação, a produção de bezerros passa a ser um gargalo, uma vez que uma vaca produz apenas um bezerro por ano. Neste sentido, os americanos também se destacam.
O rebanho de matrizes nos Estados Unidos possui cerca de 33 milhões de vacas, um número relativamente baixo se comparado ao Brasil (80 milhões). As fêmeas nos Estados Unidos iniciam a vida reprodutiva ao 13-18 meses, com uma taxa de desmama de mais de 75% dos bezerros. Ao iniciar a vida reprodutiva do animal mais cedo, é possível que uma vaca produza 1 bezerro a mais ao longo da sua vida, ou ainda, ao emprenhar novilhas jovens, temos um animal que, além de fornecer um bezerro, está ganhando peso e produzindo uma carne de melhor qualidade, o que contribui para a produção da fazenda.
Focar na taxa de desame também é algo fundamental, pois aumentando o número de bezerros desmamados, mais animais estão disponíveis para recria e terminação.
É possível ainda listar outros fatores que contribuem para a maior eficiência de produção americana como, por exemplo, maior taxa de ganho do nascimento até o abate, desenvolvimento de pesquisas em nutrição e manejo, raças de rápido crescimento, seleção genética e animais com frame maior, uso de promotores de crescimento, rápida implantação de tecnologias, infraestrutura, investimentos e acesso a crédito.
Vale ressaltar que, exaltar determinado tipo de sistema de produção pode parecer muitas vezes injusto, visto que cada país apresenta suas peculiaridades. Porém, considerando que ponderar os pontos fortes do outro pode nos fazer evoluir, uma vez que nos servem de inspiração, talvez fique mais fácil se aproximar da excelência. A evolução está atrelada à observação e entendimento dos próprios desafios pois só assim criamos meios para superá-los.
E os desafios da nossa pecuária, quais são e como podemos superar?
Nos próximos textos falaremos sobre os desafios da pecuária brasileira e das oportunidades para conquistarmos incrementos de produção, de forma sustentável e econômica. Muitas das estratégias que abordaremos já estão sendo implementadas em várias propriedades e fazendo a diferença no bolso do produtor.