O rendimento de carcaça é um tema muito discutido e polêmico na pecuária de corte. Antes de mais nada, precisamos saber que existem diversos fatores que podem influenciá-lo, como: tipo animal (sexo, raça e peso vivo), histórico nutricional, perfil da dieta, manejo da fazenda, transporte e o frigorífico.
Via de regra, muitos produtores e técnicos se atêm somente em discutir e criticar esse último fator citado, porém este, infelizmente, é o que temos menos controle. Pensando nas práticas e manejos da fazenda, uma atitude que modifica intensamente o rendimento de carcaça é o jejum pré-embarque.
A maioria dos produtores pesa o gado pela manhã, tendo tratado normalmente o animal no dia anterior. Outros pesam à tarde e distribuem trato na manhã daquele mesmo dia do embarque. Há ainda aqueles que forçam um jejum mais prolongado, cortando uma parte do trato do dia anterior ao embarque e deixando apenas água disponível.
No geral, os pecuaristas tomam essas decisões baseados em características culturais, regionais ou no histórico de resultados da propriedade, por vezes, pensando em economizar trato ou ainda, simplesmente, comparar dados com outros produtores.
Aos que optam pelo jejum, a pergunta que fica é: por que aplicar jejum?
Se a resposta for justificada pela busca da “padronização”, para assim poder comparar os resultados com outros pecuaristas – ou entre indústrias -, saiba que essas comparações normalmente envolvem situações diferentes, não têm confiabilidade ou são improdutivas. Além disso, o foco no rendimento de carcaça não é sinônimo de sucesso zootécnico e econômico na atividade, visto que, nesse caso, jejum associado a rendimento não se relaciona ao lucro.
O importante é padronizar processos na fazenda: pesar o gado na entrada e na saída, sempre no mesmo horário, e com a mesma metodologia de manejo. Assim, teremos dados zootécnicos confiáveis. Precisamos comparar coisas semelhantes para termos parâmetros “dentro de casa”, depois ir atrás de melhorias internas e externas (comerciais).
Vamos a implicação prática do negócio:
Temos que ter em mente que, independente do jejum, a carcaça do animal já está formada. Aplicar jejum ao animal provoca apenas o esvaziamento da “barriga”, ou seja, do conteúdo do trato gastrointestinal (TGI) do animal e, por uma questão matemática, resulta no aumento do rendimento de carcaça. Lembre-se que: rendimento de carcaça é um valor calculado, ou seja, dando jejum, o peso do animal diminui pela redução de digesta, o que promove o aumento da proporção de carcaça em relação ao peso total do animal (rendimento).
Para quem comercializa animais no peso vivo (balança da fazenda) a variação de conteúdo do TGI é preponderante no resultado da operação. Qualquer alteração no jejum pode significar perda de 0,5 a 1,0@ no peso vivo do animal. Nesse caso, para o pecuarista, manejar o gado com mínimo de estresse e de “barriga cheia” é a melhor opção. Na média, o animal perde de 4 a 5% de peso (digesta) nas primeiras 12 a 16 horas de jejum.
Para quem vende carcaça, o jejum na fazenda não traz nenhum benefício do ponto de vista produtivo.
Agora, pensa comigo: jejum gera fome, e fome culmina em estresse. Quem quer manejar os animais estressados para o embarque?
Pense que, se o animal estiver estressado ele será mais reativo ao manejo no curral, podendo ocorrer brigas no lote, aumentando o número de hematomas na carcaça e, consequentemente, causando prejuízo ao produtor.
Outro ponto é que animais que deixam a fazenda em jejum serão transportados, muitas vezes, por longas distâncias em estradas ruins, sujeitos a imprevistos no percurso, e ficarão em jejum no frigorífico por no mínimo 6 a 24 horas. Além do estresse desse processo, o jejum reduz os substratos (alimentos) do TGI, que poderiam suprir metabolicamente o animal. Assim, ele tende a consumir suas reservas energéticas, no caso o glicogênio muscular. A reserva de glicogênio muscular é fundamental no abaixamento de pH da carcaça e no processo de transformação de músculo em carne durante o post-mortem. Ou seja, esse animal é extremamente susceptível a produzir uma carne denominada DFD (dura, firme e escura), indesejável aos olhos do consumidor. Outro ponto a ser lembrado é que, sem queda de pH, nossa carne não viaja e nós bem sabemos o quanto a exportação tem nos ajudado na questão preço da arroba.
Quando falamos que o rendimento de carcaça não diz nada sobre o sucesso financeiro do negócio, queremos fazer com que você entenda que o que interessa é o ganho de carcaça total e a eficiência biológica, ou seja, quantos quilos de comida (em matéria seca) foram gastos para se produzir 15 kg de carcaça (1 @). Quanto menor for esse valor, maior a eficiência biológica e menor o custo de produção. Não adianta ter rendimento de carcaça alto e ganho de peso vivo baixo. Da mesma forma que em situações com GMD alto e baixo rendimento, em que a transformação de alimento em carcaça é comprometida.
Existem ainda produtores que optam pelo jejum com o objetivo de economizar trato.
Vamos analisar juntos essa situação:
Suponhamos que o confinamento forneça 4 tratos/dia e que o custo nutricional diário seja de R$ 10,00. Ao realizar a economia do último trato, do dia anterior ao embarque, o confinamento economizará de R$2,50 a R$3,00 por cabeça. O que equivale, atualmente, a 1% de uma arroba ou 0,05% do valor total da carcaça. Será que vale a pena correr esse risco, frente ao desconto de um hematoma? Durante 100 dias de cocho foram gastos, nesse exemplo, R$1.000 para construir toda a carcaça do animal. Será que vale a pena economizar R$3,00 e correr o risco de ter um hematoma, que pode pesar 0,500 kg e será removido. Somente para pontuar, se a arroba custar R$250,00, meio quilo de hematoma representa R$8,30. Será que valeu a economia?
Dito isso, vimos que o jejum forçado pré-embarque não é benéfico ao animal, nem às contas do produtor e nem à qualidade da carne ofertada ao consumidor. Então, para que fazê-lo? Na minha opinião, não há motivo.
Excelente artigo, ótimas observações. Mas do ponto de vista tecnológico das indústrias, qual a seria a vantagem desse não-jejum pré-embarque? Pois sabe-se que animais com TGI repleto gerarão maior contaminação das carcaças por ingesta no momento do processamento, levando a prejuízos e perdas.
H. Borges, agradeço sua participação conosco.
Temos que lembrar que o “não-jejum” é a prática mais frequente nas fazendas brasileiras. Até porque, há grande predominância de animais oriundos do sistema a pasto e estes são, normalmente, retirados das pastagens no momento do embarque. Sem dúvida que o jejum pré-abate facilita a evisceração e reduz possíveis contaminações da carcaça, porém o RIISPOA já impõe ao frigorífico a obrigação de submeter os animais a entre 6 e 24 horas de jejum, justamente nesse intuito. Do ponto de vista da indústria, o jejum muito prolongado é prejudicial, pois a qualidade do seu produto final, carne, pode ser comprometida, perdendo valor comercial.
Excelente o artigo. Obrigado