Sistema de cria os cuidados necessários
Sem dúvida, o Brasil tem ocupado lugar de destaque no tocante à produção de alimento, sendo referenciado como o “celeiro do mundo” por possuir grandes extensões territoriais e tecnologia suficiente para suportar a necessidade de produzir com eficiência e escala. Sendo assim, a chave do sucesso nos próximos anos será adequar as tecnologias disponíveis, de forma correta, ao dia a dia do campo.
Quando analisamos o contexto da pecuária de cria, o desafio é maior ainda, uma vez que, na grande maioria dos casos, essa é a fase mais negligenciada pelo produtor. Se você não concorda com essa afirmação, responda: onde ficam as vacas em uma fazenda de ciclo completo?
Para falar em aumento da eficiência produtiva do rebanho de cria, o primeiro ponto que devemos focar é a reprodução. Dados na literatura mostram que 72% da energia gasta na produção de um novilho ao abate é consumida pelo par: vaca:bezerro (Ferrel e Jenkins, 1985), evidenciando a importância dessa fase perante todo o ciclo de produção, ressaltando a necessidade de sermos eficientes. Pensando então na eficiência do sistema, devemos emprenhar uma vaca 75 a 80 dias pós-parto, permitindo assim obter um bezerro por vaca por ano, o qual deve ser desmamado aos 6 a 7 meses, com 50 a 60% do peso da mãe.
Voltando ao passado, temos, nos sistemas mais antigos de produção de gado de corte (visto em algumas fazendas nos dias atuais), cenários em que o touro e as vacas permaneciam o ano todo juntos em um mesmo local da fazenda, não havendo um período pré-determinado para que a cobertura das vacas fosse realizada. Além disso, cuidados com a relação touro:vaca também não eram bem trabalhados e/ou nem conhecidos nessa época. Em função disso, podia-se observar nascimentos de bezerros ao longo de todos os meses do ano, em que a natureza se encarregava de promover uma leve concentração dos partos em determinados meses, em função, naturalmente, dos meses do ano que as vacas apresentam maior fertilidade (disponibilidade de forragem em quantidade e qualidade).
Para ilustrar a problemática de uma fazenda com esse manejo reprodutivo “tradicional”, pense o desafio que é fazer o levantamento zootecnico de todos os animais presentes na propriedade. Facilmente percebemos que existem animais presentes em todas as categorias possíveis e, principalmente, no mesmo tempo e espaço, mamando e caducando, sendo tratados todos da mesma forma. Nesse caso, pode-se dizer que a fazenda está um verdadeiro “balaio de gato”, com nenhum tipo de controle zootecnico realizado de forma efetiva. Como já vimos em textos anteriores, a coleta de informações dentro de uma propriedade é fundamental para a tomada de decisão. Sem números conhecidos, os descartes de animais acontecerão com base em “achismos”, interferindo negativamente no avanço genético do rebanho.
A evolução desse sistema “tradicional” ocorreu com a implementação de um período destinado ao acasalamento, definindo determinado momentos no ano para as vacas serem expostas aos touros, período este que chamamos de “estação de monta” (EM). A adoção da EM auxilia a concentração dos manejos (ex.: nascimentos), permitindo assim começar a pensar em um controle mais eficaz sobre os animais e o sistema de produção. Nesse sistema, ainda enxergamos uma restrição muito grande quanto ao avanço genético do rebanho, pois é necessário investimento na aquisição de touros melhoradores. Alguns outros problemas inerentes como, por exemplo, manutenção de touros dentro da fazenda; e/ou qual a melhor relação touro:vaca, visando maximizar a utilização dos touros sem interferir na taxa de prenhes das matrizes; devem ser avaliados.
Dando continuidade à evolução das estratégias reprodutivas do sistema de cria, temos o início do uso da inseminação artificial (IA) a partir dos anos 70. A principal vantagem do uso da IA é justamente o ganho genético que se pode obter com a técnica. O simples fato de poder adquirir “paletas de sêmen” de touros avaliados e, comprovadamente, melhoradores ao invés dos próprios touros é o que há de mais espetacular. Além disso, permite reduzir ao máximo o número de touros dentro da fazenda, diminuindo custos com manutenção desses touros e controle mais eficiente sobre a sanidade do rebanho, principalmente do ponto de vista de doenças reprodutivas, em que a utilização do sêmen reduz a contaminação cruzada existente com a presença dos touros. No entanto, a IA por si só ainda apresenta alguns problemas como, por exemplo, a necessidade da observação de cio que hoje é o grande entrave ao se utilizar apenas a IA em grandes projetos pecuários.
A evolução dos protocolos de indução permitiram a concretização do uso da inseminação artificial em tempo fixo (IATF), por volta dos anos 2000. Essa, nada mais é, que o uso de protocolos hormonais com o objetivo de sincronizar as matrizes e colocá-las no mesmo ponto para serem inseminadas, eliminando totalmente o entrave de observação do cio, como no uso da IA apenas. A tecnologia vem de encontro ao que buscamos, que é concentrar os partos no início da estação de parição, permitindo melhoramento genético de ambos: touros e vacas, uma vez que, estaremos utilizando touros avaliados e podendo também selecionar as vacas que continuarão doando genes dentro do rebanho, tendo controle eficiente sobre a sanidade do rebanho. De forma resumida: permitir controle zootecnico total sobre o rebanho.
Apesar de toda essa tecnologia à disposição do produtor, é fácil encontrar fazendas que ainda não utilizam a estação de monta e muito menos a IATF em seu manejo reprodutivo. O pior de tudo, é quando encontramos fazendas indo contra o uso das estratégias, sem embasamento, simplesmente por terem feito uso errado da técnica.
Aproveito para citar uma passagem que presenciei durante uma visita a um produtor rural na região de Minas Geras. Durante a visita, o mesmo me disse que tentou uma vez, e que não quer mais saber dessa “tal” de IATF na propriedade. Ao questioná-lo, descobri que ele fez uso da técnica sem se preocupar em ter pasto bom, de qualidade e animais bem nutridos. Onde quero chegar com tudo isso? O primeiro ponto para se iniciar um programa reprodutivo que utilize a IATF, é dar atenção ao manejo, no qual os animais estão inseridos e, principalmente, à nutrição do rebanho, traduzido pelo escore de condição corporal das matrizes. Sendo assim, a IATF é uma técnica excelente, porém, muito fácil de ser “queimada”, se o fator nutrição não for levado em consideração. Inseminar um lote de vacas magras e/ou debilitadas, com toda a certeza, o resultado será ruim, porém, é necessário fazer o questionamento: de quem é a culpa, da técnica de IATF ou do mau manejo nutricional da fazenda?