Falar em mudanças climáticas tem gerado muito conteúdo nas mídias, porém, por vezes, com viés equivocado do assunto. Em todos os continentes há presença de ruminantes como animais de produção, além de milhões de ruminantes selvagens, como gnus, girafas, bisões, búfalos, cervídeos dos mais diversos, com destino à alimentação humana.
E os mesmos, como consequência da digestão dos alimentos, inevitavelmente produzem diversos gases, dentre eles os conhecidos como GEE (Gases de Efeito Estufa), em especial o CO2 (dióxido de carbono) e o CH4 (metano).
Portanto, é compulsório ao nutricionista e pesquisadores da área, buscar soluções para minimizar seus impactos, sem prejudicar a cadeia produtiva e econômica, mas pelo contrário, buscando eficiência e agregando valor, afinal, o carbono perdido na forma de CO2, ou CH4, representa perda de energia potencialmente utilizável pelo animal para ganho de peso, ou produção de leite.
Compete à nutrição animal entender que a ecologia microbiana do ecossistema ruminal é extremamente complexa. Afinal, esse sistema é capaz de converter eficientemente carboidratos complexos em açúcares fermentescíveis, em parte, devido à eficaz eliminação do H2 (hidrogênio) por meio da redução de CO2 em metano, via processo metanogênico.
Estratégias para redução de emissões de GEE
Na fazenda, uma forma de redução relativa dos GEE é através do aumento da produção de leite por vaca. As Figuras 1-A; 1-B e Figura 2 mostram uma associação negativa com emissões de GEE por unidade de produção de leite.
Ou seja, aumentar a produção de leite por vaca é considerada uma estratégia promissora para redução das emissões por unidade de leite, ou carne produzidos, mesmo que as emissões absolutas por animal possam aumentar.
Essa é a realidade que se aplica aos sistemas de produção dos países chamados de primeiro mundo, todos eles de clima temperado. Nesse ponto, nos diferenciamos em muito no conhecimento desenvolvido no ambiente de clima tropical e, por empregar tecnologias de produção para uma pecuária de alto desempenho, a pecuária brasileira vem sendo eficiente em aumentar a produção, com controles nas emissões dos GEE.
A intensificação que vem ocorrendo se deve a melhorias das práticas agrícolas de recuperação do solo, melhoria das pastagens e dos volumosos de modo geral, que aumentam a quantidade de carbono retirada na área. Além disso, o uso de combustíveis fósseis também está sendo otimizado (arações, gradagens, distribuição de fertilizantes, defensivos) via uso mais eficiente, cobrindo uma área maior, com a mesma quantidade de combustível.
É assim que, por meio das práticas agronômicas, zootécnicas e alteração dos sistemas de produção tradicionais para sistemas de produção otimizados, é possível reduzir as emissões de carbono por unidade produzida. Esse é o balanço de carbono do solo que, muitas vezes, não é levado em consideração nos inventários de emissões, porém, seu enorme potencial de remoção da atmosfera e estocagem de carbono no solo é conhecido e é a vantagem que o Brasil/clima tropical ainda não explora bem (Figura 3).
Esta estratégia é eficaz, particularmente, para pequenas e médias explorações leiteiras, uma vez que as reduções na intensidade das emissões de GEE são maiores para aumentos de produção na extremidade inferior da faixa de produção de leite. Logo, para aumentar a produção de leite é necessário melhorar o manejo do rebanho através de combinações de fornecimento e qualidade de alimentos, saúde animal, fertilidade das vacas e melhoria do potencial genético.
Somente esses fatores já sugerem que há um potencial enorme para melhorias na prática de todo o sistema de produção. Melhorar os índices de produção de forma eficiente, garante a perpetuação do negócio “leite” de forma econômica e, por consequência, ainda leva os créditos de uma pecuária leiteira com menor potencial de impacto negativo ao ambiente e, melhor, podendo receber benefícios financeiros por isso.
Oportunidade igual a essa, talvez surja somente uma a cada século! E estar alinhado com isso, pode ser o diferencial para estar na vanguarda da atividade e, mais, com um grande potencial de fazer parte de um negócio disruptivo.
Disruptivo sob o ponto de vista de estar atento a essas raras oportunidades, que além dos benefícios nas melhorias do sistema/ negócio como um todo (índices zootécnicos), ainda pode refletir em remuneração (financeira) pelo seu impacto positivo para o meio (ambiente), melhorando a qualidade de vida das pessoas (sociedade).
Forma-se, assim, o conceito de Sustentabilidade por completo. E, melhor, sem sacrifícios, ou gastos maiores por se tratar de um produto sustentável.
É possível verificar nas Figuras 1A, 1B e Figura 2, que há uma relação significativa entre a produção de leite por vaca e emissões totais de GEE por quilograma de leite produzido. As emissões relativas diminuem acentuadamente à medida que a produtividade aumenta acima de 2.000 kg de leite/vaca/ano (leite corrigido para teor de proteína e gordura), e praticamente se estabiliza com a produtividade acima de 6.000 kg de leite/vaca/ano (leite corrigido para teor de proteína e gordura).
Diante disso, existem quatro razões que podemos colocar como principais para a redução das emissões GEE por unidade de leite produzido.
Qualidade da dieta
As dietas de animais de maior produtividade, geralmente possuem maior quantidade de alimentos concentrados e menor de volumosos, tendo, portanto, maior digestibilidade. Isso contribui para reduzir a produção do metano entérico.
A produção de metano entérico pelos ruminantes vai depender de:
- tipo de alimento disponível para os animais,
- quantidade ingerida,
- categoria animal (leite ou corte),
- eficiência alimentar,
- composição da dieta e
- digestibilidade dos nutrientes.
A principal forma de reduzir a emissão de CH4 nos sistemas de produção animal é, “simplesmente”, melhorando a qualidade da dieta.
Modelos matemáticos comprovam que animais criados em sistema com alta carga de concentrados (alimentação a base de grãos) perdem 3,5% de energia bruta ingerida na forma de CH4, enquanto animais com alimentação à base de forragem, perdem 6,5% da energia bruta ingerida.
Isso, porque o maior componente da alimentação (a forragem) possui maiores proporções de fibra, que favorecem a fermentação acética. Uma maneira de reduzir a produção do CH4, em função do maior consumo de forragem, é melhorar as práticas de manejo das pastagens, elevando o seu valor nutricional e, assim, alcançando melhor produtividade de leite ou carne.
É dessa forma que a quantidade de metano será reduzida por meio da maior produção de leite, ou crescimento aumentado do animal. Ainda que consideremos projetos intensivos de produção de leite, ou corte a pasto, a participação dos alimentos forragem/volumoso é reduzida em função da maior presença do concentrado, justamente para poder atender às exigências nutricionais e melhorar a produção de forma eficiente, e isso traz vantagens na redução da emissão dos GEE.
Fornecer mais concentrado (grãos) na dieta também favorece a redução das emissões de metano, principalmente porque a fermentação do amido direciona a produção de propionato (inibidor das bactérias metanogênicas no rumem) e está estritamente relacionada à maior produtividade de leite e carne.
Índices Zootécnicos
À medida que a produção se intensifica, uma proporção crescente de energia e proteínas de origem dos alimentos está sendo usada por animais que estão em fase produtiva (produzindo leite), e menos por animais improdutivos e/ou em manutenção. Ou seja, um rebanho bem manejado, com adequados índices zootécnicos, possui potencial de redução dos GEE, uma vez que apresenta maior proporção de animais em fase de produção, comparado ao total do rebanho.
Intensificação
Geralmente, a eficiência do uso do nitrogênio melhora com a intensificação dos sistemas. O conteúdo de proteínas e aminoácidos das dietas é otimizado, resultando em quantidades relativamente menores de nitrogênio excretado via fezes e urina, reduzindo, assim, o impacto do N2O (Óxido Nitroso) emitido por kg de leite.
Emissões no local de produção
As emissões que ocorrem no local de produção e, em particular, emissões de metano provenientes da fermentação entérica, geralmente são responsáveis pela maior parte das emissões ao longo das cadeias. Esses mesmo comportamento observado de redução dos GEE em fazendas mais intensivas e produtivas, também pode ser observado quando o comparativo ocorre com espaçamento de décadas.
Avaliando os impactos ambientais da produção de laticínios em 1944, ou 2007 nos EUA, verificou-se que as práticas leiteiras modernas necessitaram consideravelmente menos recursos do que fazendas leiteiras do ano de 1944. Apenas 21% dos animais, 23% dos alimentos, 35% da água e 10% da terra necessária para produzir o mesmo 1 bilhão de kg de leite.
Consequentemente, esses indicadores resultaram em menor emissão de GEE em 2007, comparado a 1944. A pegada de carbono por bilhão de kg de leite produzido em 2007 foi de apenas 37% da produção equivalente de leite em 1944, conforme Capper et al. (2009).
Outros estudos também observaram que a produção leiteira mais intensiva geralmente diminui a produção de metano por unidade de leite produzido. Assim, é evidente, conforme apresentado nas figuras acima, que todos os sistemas, regiões e fazendas que possuem melhorias técnicas, visando aumentar a produtividade animal, reduziram simultaneamente a intensidade das emissões dos GEE.
Além disso, aumentar a produtividade é mais eficaz na redução de emissões nos locais com produções inferiores a 2.000 kg leite/vaca/ano. De forma geral, isto sugeriria que as estratégias de redução de emissões que visam áreas de baixa produtividade são, potencialmente, as formas de mitigação mais eficientes no que diz respeito a custos.
Silagens
As silagens são alimentos com potencial poluente, porém, pouco compreendidas no que diz respeito à sua importância quantitativa no sistema de produção animal. As silagens são, há muito, conhecidas como fontes emissoras de gases, resultantes da respiração do ar residual e da fermentação microbiana.
O gás é, comumente, a principal causa de perdas de matéria seca em silagens (Figura 4A). Mais recentemente, alguns estudos têm sido realizados com foco no impacto ambiental dos gases de silagem, avaliando se essa pode ser uma importante fonte emissora de gases relevantes para o clima, principalmente o CO2, CH4 e N2O.
Nesse sentido, a avaliação dos GEE durante a fermentação de silagens de cana de açúcar e milho, tem demonstrado potencial de mitigação desses gases, conforme diversos trabalhos desenvolvidos pelo grupo do CPFOR (Centro de Pesquisas em Forragicultura), coordenado pelo Prof. Dr. Patrick Schmidt, da UFPR (Universidade Federal do Paraná). Na condução desses ensaios, um fenômeno conhecido como pressão negativa sempre intrigou os pesquisadores do CPFOR, que observaram esse padrão de comportamento, desconhecido e nunca descrito em silagens durante o processo de fermentação.
Basicamente, esse fenômeno sugere que ar/gases estejam sendo “absorvidos/sequestrados” pelas silagens, gerando pressão negativa.
Ou seja, mesmo em ambiente controlado, e injetando gás puro e inerte de CO2 por meses nos silos com silagem, surpreendentemente o gás desaparece, gerando pressão negativa nos silos e o CO2 continua sendo absorvido, mesmo após muitos meses de fornecimento do gás nos silos.
De fato, conhecendo-se isso, surgem questionamentos:
Para onde estão indo esses gases?
Considerando a composição atmosférica do ar, o que estaria ocorrendo com o carbono do CO2 e o N2 presente no ar?
Será que o balanço entre perdas e absorção dos gases equivalem-se, ou há incorporação do carbono (sintetizando matéria seca) e incorporação do nitrogênio (sintetizando proteína)?
Experimentos
Na tentativa de responder a essas perguntas, o Grupo de Pesquisa desenvolveu experimentos para avaliar a produção dos gases (Figura 4A) e absorção de N2 e CO2 (Figura 4B), uma vez que é possível que microrganismos da silagem estejam absorvendo, tanto N2 como o CO2. A absorção desses gases, como apresentado nas figuras abaixo, não atingiu sequer algum grau de saturação, sugerindo que há potencial de maiores taxas de incorporação desses gases nas silagens.
No entanto, as análises não mostraram, de forma evidente, a incorporação do 13C (Carbono 13 – Marcador13CO2) nos compostos analisados. Porém, mostraram, de forma significativa, a incorporação do Marcador 15N nas silagens tratadas com N2.
Logo, uma amostra foi submetida à análise proteômica (para verificar onde foi incorporado o N) e foi detectado, então, o isótopo 15N presente em aminoácidos de 51 proteínas, incluindo fatores de alongamento de muitas bactérias comuns na silagem, como Lactobacillus, Pediococcus, Leuconostoc e Clostridium. A lista de todas as proteínas fixadas em 15N é apresentada por Schmidt et al. (2023).
Conforme a estequiometria, o volume de nitrogênio absorvido deveria ter aumentado o teor de proteína bruta em cerca de 1,2 unidades percentuais, enquanto o CO2 absorvido deveria ter aumentado o teor de ácido acético em 0,32 unidades percentuais, considerando a reação acetogênica (por meio de fixação anaeróbia de CO2 por bactérias acetogênicas, já identificadas em silagens).
Não ficou claro o porquê isso não foi detectado nas análises de proteína bruta e de ácido acético, sendo possível que esteja relacionado a:
- desvio analítico,
- falha na amostragem,
- processamento,
- ou outro problema desconhecido.
No entanto, a análise proteômica é o padrão ouro para confirmar a incorporação de N2 inorgânico em moléculas orgânicas com valor alimentar. Como o N2 é praticamente insolúvel em água, ele não foi perdido, mas incorporado, enriquecendo o valor nutricional da silagem.
A incorporação deste gás está aparentemente relacionada a algumas reações bioquímicas, podendo ser, uma delas, por fixação anaeróbica do nitrogênio por Clostridios, processo já descrito em plantas de arroz. Esse mecanismo pode estar ocorrendo em silagens, porém, ainda não foi descrito.
Qual é o próximo passo?
O grupo de pesquisa CPFOR acredita que este é o início de uma nova área de conhecimento na ciência da silagem. Até agora, há mais perguntas do que respostas.
É possível gerar proteínas de silagem a partir do ar livre de oxigênio?
A silagem pode absorver mais carbono do que emite durante a fermentação?
A silagem pode produzir proteína?
Não há respostas agora, mas é bem possível que os silos sejam potenciais biorreatores para incorporação de N2 e CO2 (e talvez CH4) em nutrientes. A ciência precisa de tempo (e colaboração) para descobrir se é uma boa oportunidade.
Seria possível selecionar e multiplicar uma população microbiana específica que pudesse levar ao aumento da incorporação de gases?
Teremos aditivos de silagem acetogênicos/fixadores de N no futuro?
Conclusão
Esse artigo está longe de esgotar qualquer discussão sobre o assunto relativo à nutrição de bovinos leiteiros, ou mesmo produção de silagens e GEE. Mas, traz para a discussão a evidente importância das BOAS PRÁTICAS NA PRODUÇÃO DE LEITE e ALIMENTOS.
Os estudos apontam para um grande potencial de mitigação dos GEE, em especial para sistemas de produção de leite onde ocorre baixa produtividade. A produção de silagens como um potencial dreno desses gases, reciclando-os para novamente entrar no sistema na forma de alimento de elevado valor nutricional é outra possibilidade.
A produção dos gases de efeito estufa nas mais diversas atividades humanas (incluindo a produção de ruminantes) é inevitável. Independente do sistema de produção animal, no entanto, é necessário ser mais eficiente em produzir mais e melhor as forragens, assim como melhorar as técnicas de manejo na atividade leiteira e de corte.
Investir no melhoramento genético do rebanho e na nutrição dos animais, buscando ganhos de produtividade, parece ser o melhor caminho. Essas são algumas estratégias para mitigar a emissão de gases em sistemas de produção animal.
No futuro, a importância da produção eficiente de alimentos conservados, dentre os quais as silagens de alta qualidade, deve aumentar, especialmente considerando as mudanças climáticas. Também, o potencial de utilização de silagem como biorreatores que fixam gases poluentes das atividades agrícolas em nutrientes de alta qualidade (nitrogênio e carbono), os quais farão parte novamente da dieta dos animais de produção.
Para isso, são necessários mais estudos para melhor elucidar quais microrganismos e vias bioquímicas estão envolvidos na fixação de GEE na silagem. Uma ótima notícia é que já temos formas de promover a intensificação e os aumentos de produção.
No entanto, é preciso munir-se de conhecimentos e consultorias adequadas para direcionar os esforços em busca dos resultados. O animal não é o problema, mas sim como produzimos!
Assim, existem inúmeras alternativas de manejos que, combinadas, potencializam a redução dos GEE na produção de leite e carne.
Textos consultado e na integra em: