Ao pensar na nutrição de bovinos de corte e no desempenho produtivo, o foco geralmente recai sobre dietas e suplementos formulados para atender às exigências dos microrganismos ruminais e do próprio animal. Nessa perspectiva, os nutrientes considerados mais importantes são as proteínas, a energia, os minerais, as vitaminas e os aditivos. No entanto, você sabia que há um nutriente ainda mais essencial para os animais? Esse nutriente é a água.
Aproximadamente 99% das moléculas do corpo são compostas por água, que representa cerca de 70% da massa corporal do animal. A água desempenha diversas funções vitais no organismo:
- É essencial para o metabolismo;
- Auxilia na eliminação de resíduos da digestão e do metabolismo;
- Participa da regulação da pressão osmótica do sangue;
- Atua no transporte de nutrientes, hormônios, oxigênio e outras substâncias químicas;
- Está envolvida na hidrólise de proteínas, gorduras e carboidratos;
- Lubrifica as articulações;
- Atua como amortecedor do sistema nervoso;
- É importante para a transmissão de luz através do globo ocular;
- Está diretamente relacionada à produção de leite, carne e saliva;
- Desempenha papel crucial na regulação da temperatura corporal e da temperatura do rúmen.
Em resumo, a água é fundamental para o crescimento, a lactação e a reprodução dos bovinos. Por isso, seu fornecimento adequado e de qualidade deve ser prioridade na nutrição e no manejo dos animais.
O bovino supre suas necessidades hídricas por meio da ingestão de água livre (diretamente no bebedouro) e da água contida nos alimentos. Existe ainda uma pequena quantidade de água metabólica, produzida internamente através da oxidação de nutrientes orgânicos. No entanto, essa fração é insuficiente para atender às demandas do organismo.
Para evitar a desidratação, é necessário que a absorção de água e eletrólitos seja maior do que a perda. O requerimento de água pelos bovinos varia de acordo com diversos fatores ambientais, fisiológicos, nutricionais e ambientais como:
- Temperatura e umidade ambiente;
- Estágio fisiológico (idade, prenhez, lactação, entre outros);
- Tamanho do animal e peso corporal;
- Raça;
- Composição da dieta;
- Ingestão de sal, proteína, entre outros.
As principais vias de perda de água e eletrólitos são:
- Urina: é a principal via de eliminação de água e resíduos metabólicos, regulada pelos rins. Um bovino adulto excreta, em média, 12 a 26 litros de urina por dia, composta por aproximadamente 90% a 95% de água. Assim, a perda hídrica através da urina varia entre 10 e 25 litros diários;
- Fezes: a água não absorvida pelo intestino é eliminada pelas fezes. Um bovino adulto produz, em média, 16 a 43 kg de fezes por dia, com um teor de água entre 75% e 85%. Isso representa uma perda de aproximadamente 12 a 36 litros de água por dia. Em algumas situações, a perda de água pelas fezes pode ser superior àquela ocorrida pela urina.
- Transpiração: importante mecanismo de regulação da temperatura corporal através da produção de suor pela pele, composto principalmente por água e sais minerais. A evaporação do suor promove o resfriamento do organismo;
- Respiração: durante o processo respiratório, há a evaporação de água pelas vias aéreas, acompanhada da liberação de gás carbônico. Em condições que exigem maior dissipação de calor — como em ambientes quentes ou após esforço físico —, há um aumento da frequência respiratória (o animal fica ofegante), intensificando a perda de água e contribuindo para o resfriamento corporal.
Hidratação: na saúde e na doença
Ninguém questiona a importância da hidratação para atletas — sejam eles profissionais ou amadores. Cuidados com a reposição de água e eletrólitos normalmente seguem protocolos específicos antes, durante e após o esforço físico. O objetivo é claro: manter o desempenho, prevenir problemas de saúde e promover uma boa recuperação muscular. As consequências da desidratação são fadiga, câimbras, aumento da temperatura corporal, maior risco de lesões, queda no desempenho e, em casos mais graves, hipotensão e colapso circulatório.
O mesmo princípio se aplica a pessoas debilitadas por alguma enfermidade. Qual costuma ser uma das primeiras recomendações médicas? “Mantenha-se hidratado.”
A água é essencial para a realização de todas as reações biológicas e químicas do corpo. Ela fluidifica secreções nas vias respiratórias, favorece o funcionamento celular e imunológico, ajuda na circulação sanguínea e auxilia na eliminação de toxinas.
E nos bovinos de corte?
Assim como ocorre em humanos, a desidratação em bovinos causa importantes desequilíbrios eletrolíticos, agrava enfermidades preexistentes, aumenta a suscetibilidade a novas doenças, compromete o desempenho produtivo ao reduzir a ingestão de matéria seca e, em casos mais graves, pode levar à morte.
Essa condição pode ser intensificada por diversos fatores comuns na pecuária de corte, como enfermidades gastrointestinais que causam vômito e diarreia, doenças respiratórias, transporte, desmame, mistura de animais, calor, práticas de manejo (pesagem, vacinação, IATF, entre outros), permanência em currais, participação em leilões e eventos culturais ou esportivos, como as vaquejadas. Além disso, a pecuária de corte no Brasil enfrenta desafios adicionais, como as altas temperaturas e a umidade elevada, as longas distâncias percorridas no transporte dos animais, com predominância de machos não castrados, que apresentam comportamento mais reativo.
Dada a grande importância da hidratação, vale destacar um dado impressionante: um bovino pode sobreviver entre 15 e 20 dias sem alimento, mas pode morrer em apenas 4 dias sem água. A perda de 10% a 15% da água corporal pode ser fatal, enquanto o animal é capaz de tolerar uma perda de até 40% da massa corporal por falta de alimento.
A desidratação representa uma ameaça direta ao bem-estar e à vida do animal
Vale ressaltar que, durante a desidratação, o animal não perde apenas água, mas também minerais essenciais para o funcionamento do organismo. Entre os principais eletrólitos, destacam-se:
- Sódio (Na⁺): principal cátion do líquido extracelular. Essencial para contrações musculares, condução de impulsos nervosos e absorção de água. A presença de glicose na dieta ajuda na absorção intestinal do sódio, facilitando a reidratação;
- Potássio (K⁺): principal regulador da pressão osmótica no meio intracelular. Participa da contração muscular, transmissão nervosa e metabolismo de carboidratos;
- Cloro (Cl⁻): principal ânion extracelular. Atua na manutenção do volume sanguíneo e equilíbrio ácido-base;
- Bicarbonato (HCO₃⁻): ajuda a regular o pH sanguíneo e participa da função renal.
Desidratação em situações de desafio: para onde devemos olhar
Desafios fazem parte da vida de todos os seres vivos, demandando respostas adaptativas para que seja mantida a estabilidade do organismo e, consequentemente, assegurando a sua sobrevivência. Conforme mencionado anteriormente, os bovinos de corte enfrentam diversas situações desafiadoras ao longo de sua trajetória. Algumas dessas experiências ocorrem apenas uma vez, como o desmame, enquanto outras podem se repetir várias vezes, como o transporte. O fundamental é adotar medidas que reduzam os impactos dessas situações, preservando assim o desempenho dos animais.
O transporte rodoviário é considerado uma das experiências mais estressantes na vida dos animais, devido a diversos fatores:
- Restrição de água e alimento: os animais percorrem longas distâncias dentro do caminhão, ficando, por vezes, horas ou até dias sem acesso à água e alimentação, o que pode levar à desidratação;
- Esforço físico: o constante movimento do veículo exige esforço físico dos animais para manter o equilíbrio, podendo aumentar a necessidade de ingestão de água;
- Estresse térmico: frequentemente expostos a altas temperaturas, os bovinos perdem água e eletrólitos através da transpiração e respiração;
- Alterações comportamentais: o ambiente estranho do caminhão e do local de destino causa desconforto e medo, diminuindo o apetite e a vontade de beber água, mesmo quando disponíveis.
Ao chegarem ao destino, é comum que os animais se apresentem abatidos, debilitados e reativos. Muitas vezes, são imediatamente submetidos a processos como pesagem, vacinação e mistura com outros lotes, frequentemente sem a adoção de protocolos adequados de recepção.
Diante desse quadro de fragilidade, surgem perguntas importantes:
- Qual a chance de falhas nos protocolos sanitários?
- Há risco de rejeição ao cocho?
- Pode ocorrer aumento da mortalidade no lote?
Infelizmente esses riscos são reais e comprometem diretamente a sanidade e desempenho do rebanho.
No caso do transporte, algumas ações podem reduzir seus efeitos negativos, como a realização periódica de manutenções nos veículos utilizados e o treinamento de motoristas para uma condução cuidadosa, preservando ao máximo a integridade física dos bovinos.
Já em relação a recepção dos animais, alguns protocolos podem ser adotados como: cuidado com o descarregamento dos animais para evitar que os animais se machuquem, para isso os animais devem ser conduzidos com calma, sem agitação e sem gritos;, fornecer água limpa e de qualidade a vontade, podendo utilizar ferramentas para estimular o consumo de água, repondo líquido e eletrólitos perdidos durante a viagem; se possível promover a aclimatação dos animais antes de serem processados (pesagem, identificação e vacinação), permitindo que fiquem alguns dias em piquetes de recepção, sem contato com animais de outros lotes.
Vale lembrar:
Animal que não bebe água, não se alimenta corretamente!
A hidratação dos bovinos deve ser tratada como um fator sanitário essencial. Negligenciá-la é comprometer o potencial produtivo do animal.

O óbvio precisa ser dito:
Para absorver água, o animal precisa primeiro ingeri-la.
Algumas ações práticas podem fazer toda a diferença:
- Dimensionar corretamente o número de bebedouros, para atender à demanda dos animais;
- Utilizar bebedouros com boa vazão e fácil limpeza;
- Estabelecer rotinas eficientes de higienização dos bebedouros;
- Avaliar o uso de ferramentas que estimulem o consumo de água e reposição de eletrólitos, especialmente em situações críticas, como o transporte ou pós-desmame;
- Monitorar periodicamente a qualidade da água, algo ainda pouco comum na pecuária de corte, mas uma rotina consolidada em outras áreas da criação animal reconhecidas pela sua eficiência, como é o caso da avicultura.
Algumas reflexões…
Ao falar em investimentos na pecuária de corte, é comum o questionamento “Se eu fizer isso, quanto meus animais vão ganhar a mais?”. Para muitas situações, esse é um questionamento importante e que realmente deve ser feito. Mas existem situações que exigem atenção e alguns investimentos, que não necessariamente irão refletir em um “ganho a mais”, mas sim em “perda de desempenho”. Isso ocorre quando o assunto é hidratação.
No caso de um ser humano praticante de musculação, os pilares para o ganho de massa muscular são bem definidos: treinar, descansar, se alimentar bem e manter-se hidratado. E isso se aplica a qualquer modalidade esportiva. Normalmente, um atleta não consome água ou bebidas eletrolíticas pensando “vou beber isso para ganhar músculo”, mas sim com a consciência de que, sem hidratação adequada, o desempenho será comprometido e os ganhos não virão. Percebe a diferença de raciocínio?
Na pecuária, a lógica deveria ser a mesma. Se entendermos que a hidratação é um dos pilares da produtividade, a pergunta muda de “o que eu ganho com isso?” para “quanto meus animais podem deixar de ganhar — ou até perder — se eu não fizer?”
Para pensar:
Pequenos investimentos dificilmente levam alguém à falência.
Mas o acúmulo de pequenos prejuízos pode levar.
Não custa lembrar:
Boi gosta de água limpa, em quantidade e com qualidade.
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