Nesta edição do Projeto DBO – Agroceres Multimix, vamos apresentar uma série de reportagens sobre o confinamento no Brasil, começando por sua história, que retrata a evolução da pecuária brasileira. Confira:
Na pecuária bovina brasileira, o confinamento tem funcionado como um grande navio quebra-gelos, que segue à frente, rompendo barreiras, abrindo caminhos para a produtividade. Em seus 60 anos de história, incorporou inúmeras tecnologias, agilizando a terminação e puxando, consigo, os demais segmentos da produção. Consta que o primeiro confinamento do Brasil teria surgido em 1961, na Fazenda Chumbeaba, em Ourinhos, SP, por iniciativa do pecuarista Jacintho Ferreira e Sá, que engordava os animais em galpão coberto. Em 1969, Oton Nascimento já conduzia um pequeno projeto em Jaraguá (GO), sendo seguido, em 1972, pelo ex-governador de Goiás, Otávio Lage. Ainda na década de 70, segundo relata o colunista de DBO, Enrico Ortolani, o professor Lúcio Velloso estimulou a criação de pequenos projetos de engorda intensiva na região próxima ao campus da USP-Pirassununga, onde lecionava. Belarmino Iglesias, fundador do restaurante Rubaiyat, também já mantinha, em 1975, um confinamento para 1.600 cabeças, perto de Sumaré (SP). Esses projetos eram vistos como exóticos e a maioria funcionava de forma rudimentar.
Conforme explica Rafael Cervieri, da Nutribeef Consultoria (Botucatu, SP), os primeiros confinamentos parecidos com os atuais nasceram na década de 80, para aproveitar o enorme diferencial de preços entre safra e entressafra. Eram eminentemente especulativos e sazonais. Devido à enorme diferença entre os preços de safra e entressafra, era lucrativo comprar bois magros no final das águas (com 3,5 anos ou mais) e engordá-los para abate no final da seca, quando as cotações da arroba atingiam os picos mais altos. Ninguém tratava animais a pasto. Era o auge do “boi-sanfona”. O Brasil, inclusive, importava carne congelada no período de entressafra, para abastecimento da população, principalmente da União Europeia, que naquela época produzia enormes excedentes, devido aos subsídios pagos a seus produtores. Com boas margens, os confinamentos brasileiros não se preocupavam com a qualidade da dieta, que continha principalmente forragens picadas, rolão de milho e, em alguns casos, cama de frango (hoje proibida por causa da BSE). Os ganhos no cocho eram de 800 g a 1 kg/cab/dia.
Esse perfil especulativo somente começou a mudar na década seguinte, principalmente após o lançamento do Plano Real em 1994. Rapidamente, o boi deixou de ser reserva de valor e a pecuária foi forçada a aumentar sua produtividade. Foram anos de transformações: o cruzamento industrial (de todas as raças) virou “mania nacional”; o novilho precoce tornou-se “objeto de desejo” dos pecuaristas; a castração perdeu espaço; o sal proteinado (então denominado mistura múltipla) começou a chegar no campo; os aditivos (ionóforos, principalmente) iniciaram sua participação nas dietas de confinamento e surgiram os primeiros “boitéis”, alguns montados por usinas de cana, que passaram a engordar bois para aproveitar seus subprodutos (bagaço hidrolisado, melaço, levedura). Foi justamente nesta época (final dos anos 90) que a Agroceres Multimix começou a atuar na pecuária de corte, atendendo demandas dos confinamentos, que depois não pararam mais de crescer. “Nos orgulhamos de ter participado ativamente da revolução vivida por essa atividade nos últimos 20 anos”, diz o diretor da empresa, Ricardo Ribeiral.
Grande largada
Segundo ele, a Agroceres Multimix (que completa 45 anos em 2021) nasceu com a tecnologia em seu DNA. O objetivo era maximizar (por meio de seus produtos), todo o potencial da genética que o Grupo Agroceres comercializava à época, no segmento de aves e suínos. “A bovinocultura de corte a pasto ainda era muito extensiva, mas o confinamento mostrava-se aberto às soluções nutricionais que tínhamos a oferecer”, relembra o executivo, salientando, contudo, que a grande “largada” da atividade para a profissionalização ocorreu nos anos 2.000. Rafael Cervieri é da mesma opinião. “Comecei a trabalhar como nutricionista em confinamentos em 1997, quando o País terminava cerca de 1,2 milhão de bovinos com muito volumoso no cocho e ganho de apenas 1,2 kg/cab/dia. Já não se tinha a margem especulativa dos anos 80, mas a fartura de boi magro ainda viabilizava a engorda, mesmo com baixa tecnologia. Isso começou a mudar nos anos 2000, quando as margens se estreitaram. Os confinamentos tiveram de ganhar escala, fazer no mínimo dois giros e investir em dietas mais calóricas para melhorar o desempenho dos animais. Por sorte, isso coincidiu com a escalada das safras de grãos no Centro-Oeste”, conta o consultor.
DBO registrou essa grande mudança na reportagem de capa “Guerra no Cocho” (junho de 2006), que confrontou opiniões de opositores e defensores das chamadas rações de alto concentrado, compostas por pelo menos 70% de grãos moídos e subprodutos (casquinha de soja, polpa cítrica, caroço de algodão). A fibra vinha da silagem de milho, silagem de capim ou bagaço cru de cana. Em 2008, a maioria dos nutricionistas já trabalhava com esse tipo de dieta, cuja praticidade viabilizou megaprojetos em Goiás, como o do Frigorífico Bertin, em Aruanã, e o da Cotril, em Nerópolis, que engordaram 105.219 e 93.520 bovinos respectivamente em 2005, segundo o ranking do site Beefpoint. O cruzamento industrial foi redirecionado para as raças britânicas, principalmente Angus; a integração deu forte salto, com engorda no cocho; a rastreabilidade se concentrou nos confinamentos (80% da Lista Traces) e vários fundos estrangeiros passaram a investir na atividade, retirando-se somente após a crise financeira de 2008. Foram substituídos pelas grandes companhias frigoríficas de capital aberto recém-nascidas (JBS, Marfrig e Minerva), que chegaram a engordar, juntas, mais de 320.000 cabeças, em 2009.
Paralelamente a esse boom de escala dos projetos, que acabou sofrendo um recuo na década seguinte, o confinamento no Brasil evoluiu muito nos anos 2000, investindo em bem-estar animal, produção dirigida (marcas de carne) e gestão de risco (venda na bolsa ou a termo). O nutricionista, que, na década de 90, era chamado somente para formular ração, passou a trabalhar com manejo, gestão operacional e logística de trato. “Nem sei quantas palestras fiz, nessa época, sobre leitura de cocho, porque o pessoal fazia bica corrida, não media a distribuição por baia, e isso gerava muito desperdício, aumentava os custos. Hoje, temos um manejo de primeiro mundo em muitos projetos”, diz Cervieri. As empresas de nutrição também desempenharam um papel muito importante nesta área, segundo Ricardo Ribeiral. “A Agroceres Multimix sempre ofereceu atendimento diferenciado a seus clientes, organizando cursos para treinamento de equipes, aperfeiçoando dietas e fornecendo todo o apoio necessário à obtenção dos melhores resultados. Hoje, temos um grande time de especialistas, de diversas áreas, rodando os confinamentos do Brasil. Trabalhar com nutrição de precisão faz parte da nossa origem”, reforça.
Década da gestão
Em 2010, o Brasil já estava confinando 3,4 milhões de bovinos, com forte concentração em Goiás (1 milhão de cabeças), Mato Grosso (906.693) e São Paulo (555.569), segundo o censo da Assocon, Associação Nacional de Confinadores. Até 2015, ainda havia forte presença dos frigoríficos no setor (a JBS confinou 220.000 cabeças em 2012), mas essas empresas foram migrando para o sistema de parceria com pecuaristas e reduzindo gradativamente sua participação no setor. Segundo Cervieri, o foco passou da escala para a gestão: “Os anos 2010-2019 são marcados por tecnologias de controle. Surgem inúmeros softwares no mercado, balanças para pesagem individual, sensores para linhas de cocho e equipamentos para análise de ingredientes na fazenda”. Os confinamentos passaram a confinar nas águas; a maximizar o ganho médio de peso (acima de 1,6 kg/cab/dia); a aproveitar mais o amido dos cereais por meio da floculação, reidratação do grão seco moído e ensilagem de grãos úmidos. O DDG começa a entrar nas dietas. Cai a idade de abate e aumenta o peso das carcaças (de 18 para 20-22@).
Todo esse esforço de coleta de dados, adensamento energético das dietas e gestão de trato gerou ganhos de eficiência, permitindo que a atividade sobrevivesse às frequentes altas dos animais de reposição e do milho, hoje cotado a R$ 100/sc, em São Paulo. O foco agora está na gestão por indicadores e na produção de animais até 30 meses (boi China). Os confinamentos funcionam como fábricas sincronizadas, terminando quase 6 milhões de bovinos. “Chegamos à nutrição de precisão, onde cada mínimo detalhe faz diferença. Por isso, damos total apoio aos confinadores em todas as etapas de sua rotina, por meio de nossos técnicos de campo, nossos consultores em nutrição e em bem-estar animal, nosso software de gestão e nosso benchmarking”, salienta Ricardo Ribeiral.
Grandes testemunhas
Quem viveu esse “furacão” de transformações nos confinamentos ao longo das últimas décadas tem muita história para contar. O Confinamento Estiva, de Novo Horizonte (SP), pertencente ao grupo usineiro W.J. de Biasi, entrou na atividade em 1999, criando um casamento perfeito com o boi, enquanto muitas usinas afugentavam a pecuária de seu entorno. “Começamos o confinamento para aproveitar subprodutos da usina: o melaço, a levedura seca (rica em proteína) e, principalmente, o bagaço hidrolisado. Mas a qualidade do gado era ruim. A gente engordava bois de 4,5 a 5 anos de idade, tudo castrado, comendo grandes quantidades de volumoso; ganhavam no máximo 1 kg/cab/dia. Ainda assim, a experiência deu certo e fomos aumentando aos poucos nossa capacidade estática, chegando a 5.000 cabeças, em 2002, mais ou menos; 8.000, por volta de 2007, e 12.000, em 2015. Hoje, terminamos 20.000 animais/ano. A parceria com a Agroceres Multimix tem sido muito importante nessa trajetória de incorporação de tecnologias”, conta Roberto de Biasi, um dos proprietários do Confinamento Estiva, frisando que 50% do gado confinado é dele e 50% de seu sócio (e primo), Jorge Ismael de Biasi Filho.
Segundo Antônio Domingo Neto (o Totonho), o projeto da Estiva incorporou muitas tecnologias ao longo de 22 anos de existência, reduzindo a idade de abate dos animais, aumentando o peso das carcaças e investindo em rastreabilidade (foi pioneira na certificação para o mercado europeu). Em 2011, a Estiva conquistou o Prêmio Nelson Pineda Excelência em Confinamento, de grande prestígio à época. “Migramos aos poucos para as dietas de alto concentrado, reduzindo a quantidade de bagaço (que passou a ser fornecido cru) e incluindo polpa cítrica, torta de algodão e milho na formulação. Também deixamos de castrar os animais, em 2006-2007, o que favoreceu o desempenho”, diz o gerente de pecuária da empresa, Antônio Domingos Neto (o Totonho). Segundo ele, o confinamento, hoje, funciona o ano inteiro, o GMD (ganho médio de peso) oscila entre 1,6 e 1,7 kg/cab/dia. “Todo o processo é controlado, por meio de softwares e leituras de cocho, inclusive noturnas”, diz.
Roberto de Biasi destaca ainda que a genética dos animais confinados melhorou muito. “Hoje, temos gado Nelore crioulo [de criação própria] morrendo com 24@ aos 20-24 meses, idade próxima à dos cruzados, que também estão muito mais pesados. Desmamei, recentemente, um lote de three-cross (touro Brahman em vacas ½ sangue Nelore/Angus) com 321 kg” salienta o empresário, que faz recria intensiva dos animais próprios. Para manter o padrão genético no cocho, Roberto monitora o desempenho dos animais adquiridos de terceiros. “Somente compramos gado de primeira, que responde bem no confinamento”, diz o empresário, salientando que o rendimento de carcaça supera os 57%. Segundo Jorge de Biasi, a maior parte dos animais da Estiva dá padrão Cota Hilton, recebendo ágio sobre o valor da arroba. Os sócios garantem que pretendem continuar investindo em tecnologias.
Saga impressionante
O produtor Paulo Roberto do Nascimento (o Paulinho), dono do Elite Confinamento, localizado em Capinópolis (MG), tem uma trajetória até mais antiga no confinamento, que se confunde com sua saga pessoal. Filho de família humilde, ele foi construindo seu patrimônio aos poucos, com muito trabalho. “Comecei engordando 20 bois por ano, em 1985, quando comprei meu primeiro pedaço de terra (8 ha), após guardar algum dinheiro comprando e vendendo cereais. Antes, eu ajudava meu pai, que era açougueiro”, recorda emocionado. Os animais colocados no primeiro confinamento, de instalações rústicas, eram machos de origem leiteira (veja foto na página ao lado). “Eu tirava leite, na época, e engordava os bezerros machos. A ração era preparada manualmente e distribuída de carroça, não tinha tecnologia nenhuma”, conta o produtor.
Hoje, o Confinamento Elite é uma fábrica de engorda. Tem capacidade estática para 11.000 cabeças e termina 30.000 bois/ano (média de 2.500/mês), trabalhando de janeiro a dezembro. “Fomos crescendo aos poucos. Nos anos 90, vendi o gado leiteiro e fiquei só com a engorda, à época de 200 animais. A margem era muito boa, então, fui investindo em maquinário, fábrica de rações, caminhões distribuidores, curral antiestresse. Nos anos 2000, chegamos à marca dos 5.000 bois e, 10 anos atrás, dobramos nossa capacidade estática”, relata Paulinho, que fez várias viagens para a Austrália e os Estados Unidos, em busca de conhecimento sobre a “arte” de confinar.
A dieta fornecida no Confinamento Elite também mudou muito. “Trabalhávamos com alto volumoso (silagem de milho) e agora com rações de alta energia, contendo grãos, DDG e outros subprodutos. O peso ao abate é de 22@ aos 24-26 meses”, comemora Paulinho, que agora somente confina animais Nelore e cruzados, fazendo recria intensiva em outra propriedade, na região do Xingu (MT). “O confinamento é como uma engrenagem: se quebrar um dente, emperra. Por isso, estamos usando o software de gestão da Agroceres Multimix e aperfeiçoando nosso manejo cocho. Temos de monitorar cada detalhe, para obter máximo desempenho”, conclui.