As micotoxinas são metabólitos secundários produzidos em condições ambientais específicas por alguns tipos de fungos filamentosos, principalmente do gênero Aspergillus, Penicillium e Fusarium spp, os quais surgem de forma natural nos alimentos, especialmente nos grãos e seus produtos resultantes.
A origem do termo micotoxina é derivada de “mykes”, que significa fungos, e “toxicon”, que significa veneno.
As micotoxinas podem causar uma variedade de doenças conhecidas como “micotoxicoses”, que podem ser causadas diretamente ou em combinação com outros estressores primários, como patógenos bacterianos e/ou virais. Os principais efeitos do consumo das micotoxinas estão relacionados a:
- danos hepáticos e renais,
- depleção do sistema imune,
- carcinogenicidade e
- problemas reprodutivos, como redução da fertilidade, antecipação de cio, leitões inviáveis, entre outros.
Na maioria dos casos, as micotoxicoses são crônicas, sem sinais clínicos específicos, e causadas pela ingestão de baixos níveis de micotoxinas por períodos prolongados, resultando em declínio mensurável no desempenho.
Sob condições de campo, o desempenho produtivo e/ou reprodutivo abaixo do ideal na ausência de um fator infeccioso, ambiental, nutricional ou de manejo, sugere a possível incidência de micotoxicoses.
No entanto, a análise da ração é imprescindível para diagnosticar a contaminação por micotoxinas. Também devem ser realizados:
- avaliação do histórico de monitoração dos principais ingredientes utilizados na fabricação das rações,
- avaliação clínica e post mortem dos animais e
- exame microscópico dos seus tecidos para auxiliar no fechamento do diagnóstico para casos crônicos de micotoxicoses.
A exposição simultânea a diferentes toxinas pode resultar em efeitos:
- antagônicos (o efeito de uma micotoxina é suprimido ou reduzido na presença de outra):
- aditivos (o efeito de uma micotoxina é somado a outro), ou
- sinérgicos (a resposta a partir da associação de duas ou mais micotoxinas é maior do que a simples soma dos efeitos isolados de cada uma delas).
Fatores como a estação do ano, a época de colheita, temperatura e umidade, e o local de cultivo de grãos podem favorecer o crescimento de fungos e a subsequente produção de micotoxinas. Além disso, muitas espécies de fungos podem produzir micotoxinas após a colheita (nas etapas de armazenamento, transporte e processamento), estando assim inseridos em toda a cadeia de produção.
A presença de mofo/bolores, que são indicativos do crescimento fúngico em um ingrediente ou ração, não significa necessariamente que tenha ocorrido contaminação por micotoxinas, pois nem todos os fungos produzem toxinas.
Por outro lado, a ausência de sinais visíveis de formação de fungos não atesta que o ingrediente ou a ração esteja livre de micotoxinas, pois elas podem permanecer no produto mesmo após a destruição dos fungos.
Micotoxinas relevantes para a produção animal
Atualmente mais de 400 micotoxinas são reconhecidas, das quais as aflatoxinas (AFLA), zearalenona (ZEA), ocratoxina A (OTA), fumonisinas (FUM) e tricotecenos, como desoxinivalenol (DON) e toxina T-2, são atualmente as principais micotoxinas que podem afetar significativamente a saúde e a produtividade das espécies animais.
Espécies do gênero Fusarium são frequentemente consideradas como “fungos do campo”, porque invadem as lavouras antes da colheita, quando o teor de umidade dos grãos é alto (18% – 30%). Por outro lado, as espécies do gênero Aspergillus são consideradas como “fungos de armazenamento”, desenvolvendo-se em condições mais secas (14% – 16%), após a colheita e processamento dos grãos.
Os efeitos deletérios e a toxicidade das micotoxinas variam de acordo com:
- o tempo de exposição,
- a idade,
- o sexo e
- a saúde geral do animal.
E conforme já mencionado, a presença de mais de uma micotoxina pode aumentar os danos causados por elas. Em geral, aves e suínos, além de animais jovens, devido a imaturidade do trato gastrointestinal e do sistema imune, são mais sensíveis a micotoxinas, quando comparados aos ruminantes e animais mais velhos.
Adicionalmente, devido à alta inclusão de grãos nas rações de aves e suínos, estes animais estão mais expostos às micotoxinas dos cereais e à contaminação crônica.
Já os ruminantes, são geralmente mais resistentes aos efeitos adversos das micotoxinas, uma vez que a microbiota ruminal possui a capacidade de degradar esses metabólitos parcialmente, além da dieta ter a contribuição de forragens.
A seguir, serão abordadas as principais micotoxinas que afetam o desempenho animal, destacando sua ocorrência e impactos.
Aflatoxinas
As aflatoxinas são uma classe de micotoxinas produzidas por espécies de fungos do gênero Aspergillus (A. flavus e A. parasiticus), e ocorrem naturalmente em muitos grãos usados na alimentação animal (Tabela 1).
Os Aspergillus são patógenos oportunistas, e podem causar a aflatoxicose, tanto em animais quanto em humanos, podendo levar à morte.
Os Aspergillus produzem 18 diferentes tipos de aflatoxinas, sendo o grupo B mais virulento. A aflatoxina B1 é um metabólito secundário carcinogênico, altamente tóxico e frequentemente encontrado nas commodities agrícolas.
Grande parte das aflatoxinas B consumidas pelos animais são removidas pelo próprio organismo, nas fezes e urina, e no caso de bovinos, uma porção entre 1 e 6% é convertida, no fígado, a M1 e secretada no leite.
Os efeitos da exposição a longo prazo estão associados a:
- redução no desempenho zootécnico, na produção de leite e ovos,
- síndrome da má absorção,
- tumores e alterações hepáticas, assim como
- condições de imunossupressão,
- aumento da suscetibilidade a doenças e
- teratogenicidade (desenvolvimento anormal de fetos).
Ocratoxinas
As ocratoxinas são produzidas por fungos pertencentes aos gêneros Aspergillus (A. ochraceus) e Penicillium (P. verrucosum), produzidos em diversos cereais (Tabela 1). A ocratoxina A (OTA) é a micotoxina mais prevalente desse grupo, composto por cerca de 20 diferentes metabólitos.
Os suínos são mais sensíveis à OTA, que é um metabólito nefrotóxico e leva à redução da função renal. As aves são menos sensíveis que os suínos, porém ainda susceptíveis a vários efeitos deletérios, como imunossupressão nefrotóxica, mutagenicidade e teratogenicidade.
Animais ruminantes são menos suscetíveis aos efeitos da OTA, pois essa é degradada no rúmen pelos microrganismos presentes em um produto menos tóxico, a ocratoxina-α. A OTA não afeta apenas aos animais mas, em humanos, vem sendo relacionada ao aparecimento de tumores no trato urinário, sendo considerada uma micotoxina importante à saúde pública.
Fumonisinas
As fumonisinas são produzidas por fungos pertencente ao gênero Fusarium (F. verticillioides, F. proliferatum, e algumas outras). A contaminação por FUM é tipicamente associada ao milho (Tabela 1).
Mais de 15 estruturas semelhantes a FUM foram identificadas e são classificadas em categorias de acordo com seus grupos funcionais; A, B, C e P, sendo o grupo B a mais predominante ao redor do mundo.
Aves são relativamente resistentes aos efeitos tóxicos da fumonisinas, enquanto os suínos são reconhecidamente sensíveis. A FUM B1 pode causar danos ao tecido hepático, imunossupressão e edema pulmonar suíno, sendo que os sinais clínicos geralmente incluem:
- diminuição do consumo de ração,
- dispneia,
- fraqueza,
- cianose e
- morte.
Além disso, o edema pulmonar não letal também pode ocorrer após exposição prolongada a doses baixas de FUM B1. Em equinos pode causar leucoencefalomalacia, cujos sintomas estão associados a tremores musculares, perda de coordenação motora e do reflexo para engolir. Além disso, também pode ter efeito carcinogênico.
Zearalenona
A zearalenona também é produzida por fungos do gênero Fusarium (F. graminearum, F. moniliformae, F. culmorum, F. esquiseti, F. cerealis e F. verticillioides) e pode ser encontrada em diversos cereais (Tabela 1). É comumente encontrada em ambientes temperados, tendo como condições ideais para crescimento fúngico temperaturas entre 19 e 29 °C e alta umidade.
Seu efeito estrogênico, imitando a ação dos hormônicos de reprodução, afeta de forma negativa os animais, principalmente mamíferos. Devido à alta taxa de absorção no trato gastrointestinal, de 80 a 85%, os suínos são mais sensíveis a zearalenona.
Em machos o efeito estrogênico pode causar imunossupressão, redução do testículo com redução da produção de espermatozoides e redução da testosterona, levando a uma feminilização e a redução da libido. Em fêmeas suínas pode ocasionar repetição de cio, edema de vulva, prolapso retal, aborto e nascimento de leitões fracos ou natimortos.
Bovinos também podem ter problemas reprodutivos e queda na produção de leite. Em humanos a ZEA pode levar a puberdade precoce devido a alteração hormonal.
Tricotecenos – DON e T2
Os tricotecenos são uma grande família de toxinas produzidas por fungos dos gêneros Fusarium, Myrothecium, Stachybotrys e Trichoderma. Mais de 200 diferentes tipos de tricotecenos são registrados, e podem ser divididos em quatro grupos funcionais, A-D.
No entanto, as principais toxinas são a T2, que pertence ao grupo A, e a desoxinivalenol (DON), que são tricotecenos do tipo B, com ocorrência ao redor do mundo em vários cereais (Tabela 1). Um dos problemas é que os Fusarium podem produzir muitas micotoxinas, expondo os animais, e até mesmo os humanos, a diferentes tricotecenos.
A DON, também conhecida como vomitoxina, é conhecida por induzir gastroenterite e vômito, levando a redução no consumo de ração e a recusa da alimentação. Outros efeitos causados incluem:
- perda do apetite,
- aumento da conversão alimentar devido à má absorção dos nutrientes,
- diarreia,
- problemas reprodutivos,
- queda da taxa de postura e
- lesões orais.
A toxina T2 causa uma ampla gama de efeitos tóxicos em animais. Assim como a DON, pode causar uma queda no desempenho, lesões orais e na pele, além de diminuição da contagem de células sanguíneas e leucócitos, redução da resposta imunológica, redução da glicose plasmática e alterações patológicas no fígado e no estômago.
Na tabela abaixo são sumarizadas as principais micotoxinas relevantes na produção animal, com seus respectivos fungos produtores e os principais ingredientes onde elas podem ser encontradas.
Tabela 1. Micotoxinas comuns que contaminam os alimentos e os fungos que as produzem
Micotoxina | Fungos | Ingredientes de maior ocorrência |
Aflatoxina | A. flavus, A. parasiticus, | Milho, DDG, sorgo, soja, amendoim, sementes de algodão e nozes. |
Ocratoxina | A. ochraceus, A. carbonarius, Penicillium verrucosum, P. nordicum | Aveia, cevada e trigo. |
Fumonisina | F. verticillioides, F. proliferatum | Milho e sorgo |
Zearalenona | F. graminearum, F. cerealis, F. Culmorum F. equiseti | Milho, cevada, aveia, sorgo e trigo |
Toxina T-2 | F. sporotrichoides, F. poae, F. acuminatum, F. equiseti | Cevada, aveia e trigo e milho |
Desoxinivalenol | Fusarium graminearum, F. culmorum | Trigo, cevada, aveia, arroz, milho e centeio. |
Adaptado de Gurikar, Nadine et al. Impacto f mycotoxins and their metabolites associated with food grains. Grain & Oil Science and Technology, v.6, 1-9, 2023.
Fatores que afetam a prevalência de micotoxinas na ração animal
As mudanças nas condições ambientais (temperatura, umidade e periodicidade das chuvas), somadas aos danos causados por insetos, predispõem à contaminação fúngica e, consequente, formação de micotoxinas no campo e durante o armazenamento. Essas condições somadas às práticas inadequadas de colheita, secagem, processamento, armazenamento e transporte, aumentam o risco de contaminação por micotoxinas.
As condições em que as micotoxinas são produzidas dependem, em grande parte, de dois fatores principais: a temperatura e a disponibilidade de água, que na presença de oxigênio afetam o ciclo de vida dos fungos micotoxigênicos. Portanto, estes são os principais fatores a serem controlados durante todo o processo produtivo dos cereais.
Como prevenir o aparecimento de micotoxinas
Os métodos para a prevenção da contaminação por micotoxinas podem ser divididos em estratégias de:
- pré-colheita,
- colheita e
- pós-colheita.
O controle do crescimento de fungos envolve a manutenção da integridade física dos grãos de cereais com o objetivo de limitar o acesso dos fungos aos nutrientes presentes nos grãos, e o controle rigoroso das condições ambientais, como teor de água, concentração de oxigênio e temperatura.
A umidade dos grãos durante a colheita tem extrema importância para que seja minimizada a chance de aparecimento dos fungos e possíveis micotoxinas de armazenamento. Após a colheita, a secagem é uma etapa essencial no processo de preservação dos grãos utilizados nas rações, sendo recomendado no máximo 14% de umidade.
Já a anaerobiose é um pré-requisito essencial para a conservação de alimentos úmidos, como a silagem de milho.
Além do controle de umidade dos grãos, outra estratégia bastante eficaz para o controle de micotoxinas no pós-colheita é reduzir a presença de insetos e grãos quebrados, assim como de impurezas. Para tal, recomenda-se a utilização de operações de pré-limpeza de grãos.
As estruturas de armazenamento de grãos também devem ser adequadas, favorecendo a circulação de ar e o adequado isolamento, a fim de evitar o ataque por pragas, especialmente insetos, que ao danificar a estrutura do grão favorecem o acesso e crescimento de fungos.
O uso de agentes antifúngicos pode fornecer garantias adicionais se houver um risco previsível. Também é possível controlar a contaminação por fungos usando variedades de plantas selecionadas para resistência à contaminação fúngica.
É importante destacar que a prevenção da formação de micotoxinas é a medida mais eficaz de controle, pois há poucas maneiras de superar completamente os problemas quando as micotoxinas já estão presentes, visto que até o momento não há tratamento específico para eliminar 100% as micotoxinas.
Uma vez detectada a presença de micotoxinas na ração animal, o risco à saúde animal deve ser avaliado e medidas de redução de impacto devem ser adotadas.
Minimizando os danos
A compra de grãos de boa qualidade, assim como um processamento e armazenamento adequados, reduzem significativamente as chances de incidência de micotoxinas. Porém, caso sejam detectadas, dependendo do nível e da ocorrência (quais tipos de micotoxinas), a segregação de lotes que estejam contaminados por micotoxinas permite o uso em categorias e espécies animais menos sensíveis, mediante análise técnica de um nutricionista.
Além das espécies e categorias às quais o milho contaminado por micotoxinas pode, eventualmente, ser oferecido, o nutricionista deve definir o nível de inclusão na ração para diluir os efeitos dessa ocorrência.
Ainda, como estratégia nutricional, aditivos adsorventes e/ou biotransformadores de micotoxinas são muito utilizados para mitigação dos impactos. Os adsorventes mais comuns são compostos por aluminossilicatos e leveduras, no entanto, atualmente há diversas pesquisas e moléculas sendo pesquisadas com essa finalidade.
Ao se ligarem às micotoxinas, os adsorventes impedem que as mesmas sejam absorvidas no trato gastrointestinal dos animais, ocasionando os problemas fisiológicos já apresentados. A adsorção é dependente da estrutura física do adsorvente (carga total, distribuição da carga, tamanho dos poros e, a área de superfície disponível).
No entanto, para que a adsorção ocorra de forma efetiva, devem ser consideradas as características da micotoxina a ser adsorvida, como a polaridade, solubilidade, tamanho e forma. Os aluminossilicatos, por exemplo, são efetivos na adsorção das aflatoxinas e pouco, ou nada efetivos para fumonisinas, ocratoxinas e os tricotecenos.
Além disso, outro fator a ser considerado é que os aluminossilicatos podem se ligar a minerais de alto peso molecular (cálcio e fósforo, por exemplo) e aminoácidos, reduzindo a absorção. Assim, em casos extremos, pode reduzir a disponibilidade de nutrientes para um máximo desempenho.
Uma variedade de espécies microbianas, incluindo leveduras, fungos e bactérias, assim como enzimas, são capazes de biotransformar ou converter uma micotoxina em um produto não tóxico, ou menos tóxico, e que não se converte à forma inicial novamente.
A biotransformação é uma forma de minimizar os efeitos das micotoxinas que são menos adsorvidas por aluminossilicatos, como as fumonisinas, zearalenona e desoxinivalenol, configurando outra estratégia tecnológica que as pesquisas têm apostado.
Considerando os impactos que as micotoxinas podem acarretar à saúde animal e humana, assim como as perdas econômicas, é fundamental que as medidas preventivas sejam empregadas para minimizar a sua ocorrência, sendo essa a forma mais eficaz de controle desse mal oculto. E em caso de ocorrência, a análise da situação e as estratégias nutricionais vão definir o grau de supressão dos danos.