Quando pensamos no tópico “intensificação da recria”, automaticamente nos vem à cabeça: produzir mais e em menos tempo. Surge em nosso imaginário (de técnico ou de produtor) uma série de medidas que podem ser tomadas com o intuito de melhorar a produtividade da fazenda, na qual a métrica em questão gira em torno do aumento de performance (animal e por área) e/ou da redução do tempo produtivo.
No campo, uma estratégia que vem ganhando força para esse propósito é o fornecimento de ração desde o início da recria.
Diferente da proposta de suplementar os animais – que visa corrigir os nutrientes limitantes da forragem consumida – o uso da ração tem como objetivo aumentar a lotação da área e acelerar o ganho de peso dos animais. O resultado: maior produção de arrobas por hectare e menor do tempo de recria.
Nesse sentido, a Fazenda Jumari III, no município de Ipiaçu, no Triângulo Mineiro, foi pioneira no assunto.
Por questão de logística, a propriedade precisava melhorar o fluxo de animais para engorda e viu na intensificação da recria um bom caminho a seguir. Como bons empreendedores, antes de seguir, os donos da fazenda optaram por realizar um “projeto piloto”, para, a partir dele, decidirem pela implementação ou não da estratégia.
Historicamente, a Fazenda Jumari trabalha na recria dos animais, com suplementação proteica de baixo consumo (0,1% do peso vivo) durante o ano todo (seca e águas). Todos os animais que chegam à fazenda – normalmente recém desmamados – entram nesse protocolo, ficando nele até atingirem peso ideal e seguirem para a fase de engorda. Somente para ilustrar, no caso de bezerros de desmama (180 a 210kg), o tempo médio de recria é de 12 a 14 meses, no qual os animais ganham de 6 a 7 arrobas.
Voltando ao “teste piloto”: um lote de 720 bezerros Nelore foi comprado na região. Este, ao chegar na fazenda, foi pesado e apartado aleatoriamente em dois grupos de 360 animais, cada. O peso inicial foi de aproximadamente 7 arrobas.
Na sequência, um grupo de animais seguiu o protocolo padrão da fazenda (controle), e o outro foi direcionado à uma área estruturada para seguir no protocolo denominado “RIP” (recria intensiva a pasto). O manejo do pastejo, em ambas as estratégias, foi o de lotação contínua, porém, enquanto nos animais que receberam proteinado de baixo consumo tiveram lotação de 2,5 cabeças por hectare, na recria intensiva a pasto a lotação imposta foi de 4,5 cabeças.
Além de avaliar o desempenho por animal e por área, o projeto teve como objetivo quantificar o efeito da intensificação na duração da recria, e, para isso, foi estabelecido o peso de 390 a 400 kg como fim da recria. Outra preocupação dos produtores foi avaliar o efeito de ambas as estratégias no desempenho dos animais no confinamento, a fim de verificar se existia efeito da recria sob a fase de engorda.
Na análise dos resultados obtidos, o primeiro número que chamou a atenção foi o ganho de peso durante a seca. Os garrotes da recria intensiva ganharam 531 g/cab, ante irrisórias 30 g/dia da recria convencional. Nas águas, o desempenho foi próximo de 763 g/dia e 628 g/dia, para a recria intensiva a pasto e proteinado, respectivamente. Nesse caso, precisamos lembrar que as lotações eram diferentes, e ao ponderar essa variável, temos que o lote da recria intensiva a pasto mostrou-se mais eficiente, garantindo 18,3 @/ha, frente 14,9 @/ha do grupo controle. No placar total (seca e águas), o resultado foi de 27,2 @/ha para recria intensiva a pasto, ante 15,2 @/ha dos animais do sistema convencional.
Destaca-se ainda o encurtamento da recria, de 12,6 para 8,9 meses, com o uso da ração, deixando a diferença na produção de arrobas mais significativa quando anualizamos os números, resultando então na produção de 36,5 @/ha para a recria intensiva a pasto contra 14,5@/ha do proteinado.
Economicamente falando, o custo por arroba produzida foi superior na recria intensiva, em comparação ao sistema convencional, porém, sua maior produção de arrobas por hectare garantiu lucro bruto 56% superior. Mais uma vez, anualizando esses resultados, o impacto da intensificação se mostra ainda maior (R$ 1.107, frente a R$ 506/ha). Cabe aqui ressaltar que, os custos foram obtidos com base nas informações da fazenda, relativas aos anos de 2018 e 2019, considerando apenas custo alimentar, operacional e reposição.
Por fim, cabe a avaliação dos animais no confinamento, na qual os números mostram que não houve diferença significativa no desempenho dos mesmos. O ganho médio diário dos garrotes vindos da recria intensiva e do proteinado foram de 1,493 e 1,490 kg/dia, respectivamente. Esse era um ponto de muita atenção, uma vez que, se “errássemos a mão” na dieta de recria, o animal poderia acumular gordura durante a fase de crescimento, comprometendo seu desempenho na terminação. Nesse sentido, os dados indicaram que o cuidado que houve na formulação da ração de recria foi efetivo em promover apenas o crescimento dos garrotes.
Como análise final, a estratégia da recria intensiva a pasto se encaixa muito bem em projetos que já possuem um sistema de engorda intensificado, principalmente em fazendas que aderiram à TIP (terminação intensiva a pasto) na engorda e aumentaram a demanda de fluxo de animais oriundos da recria.
Cabe dizer ainda que, por ser uma estratégia que envolve o fornecimento de um grande volume de ração, operacionalmente falando, este pode ser um desafio logístico na fazenda. No caso da fazenda Jumari, a ração fornecida aos animais apresentava em sua formulação componentes moduladores de consumo, fazendo com que os animais restringissem o consumo diário entre 0,7 a 1,0% do peso corporal. Essa modulação permitiu que a ração fosse fornecida apenas 3x por semana, facilitando o manejo de distribuição. Importante destacar os ajustes necessários na estrutura de cocho na recria intensiva a pasto, sendo a capacidade de armazenamento e cobertura (principalmente no período das águas) alguns pontos que tiveram que ser ajustados no projeto.
Por ser uma estratégia que envolve maior desembolso por cabeça dia, lembre-se que: ao adotá-la é preciso contemplar a necessidade de aumento do fluxo de caixa.
Essa é uma estratégia que fará sentido se – e somente se – avaliada no contexto geral da propriedade, contemplando seus benefícios, por área e no tempo, sobre o sistema produtivo. Avaliar seu resultado sobre o ponto de vista de um único animal trará interpretações equivocadas frente à sua viabilidade.
Como qualquer atividade em que aumentamos o lucro, aumenta-se também o risco, no qual a sensibilidade financeira desta estratégia está diretamente relacionada ao custo de aquisição dos insumos.
Bom dia, tudo bom?
Gostaria de elogiar o ótimo trabalho desenvolvido por vocês da Agroceres Multimix em especial a você Moretti. Precisamos mais disso! trabalho de campo, prático e com dados mensuráveis que realmente comprovem ou não a eficiência e eficácia do protocolo em estudo. Gostaria de fazer uma pergunta e caso possam me responder fico bastante grato. Quais produtos foram utilizados nas dietas dos dois lotes de animais? Att
Desde já muito obrigado.
Olá, Adriano!
No sistema convencional, foi utilizado um proteinado de baixo consumo (pronto uso), de acordo com época do ano. Já na RIP, trabalhamos com uma ração (também ajustando a formulação em proteína à época do ano) produzida na fazenda, a partir de um núcleo especial com modulador de consumo.
Obrigado pela pergunta e considerações!