Início Bovinos de Corte Confinamento: será mesmo que é só fechar os animais e tratar?

Confinamento: será mesmo que é só fechar os animais e tratar?

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Para começar, tenha em mente que, para uma operação de confinamento ir bem, é preciso que todas as peças que movem a engrenagem da produção trabalhem em sincronia. Fazendo uma analogia com uma orquestra, todos os músicos precisam fazer o seu trabalho bem-feito para alcançar o melhor espetáculo do dia e obter o resultado esperado.

O que é um sistema de confinamento?

De forma sucinta, trata-se da criação de bovinos em uma área restrita, em que o alimento e a água são fornecidos no cocho/bebedouro. Relembrando a reportagem produzida em parceria entre a Agroceres Multimix e a DBO em julho de 2021, o primeiro confinamento no Brasil teve início na década de 60, sendo que até hoje é uma estratégia amplamente utilizada para a fase de terminação (engorda) dos animais.

Das principais vantagens da adoção do confinamento para a fazenda, no contexto da fase de engorda, podemos citar:

        • Ajuste da lotação (principalmente da seca);
        • Antecipação do abate;
        • Aumento de eficiência produtiva;
        • Maior controle do ganho de peso;
        • Melhor acabamento de carcaça.

Com o passar dos anos, vimos a evolução das infraestruturas e manejos operacionais no confinamento.  Hoje podemos olhar para ele não só como estratégia de engorda, mas como uma ferramenta que pode ser utilizada em outras fases de produção (cria e recria), dependendo da necessidade e do objetivo da fazenda.

De fato, a definição de confinar os animais é bem simples, no entanto, devemos nos atentar a alguns detalhes fundamentais no dia a dia da operação para colher bons resultados, tanto produtivos como econômicos.

Lembre-se que, antes de começar qualquer projeto, é fundamental realizar um bom mapeamento do cenário em questão, evitando assim problemas futuros que possam impactar no sucesso da atividade.

Para facilitar o entendimento do assunto proposto, o texto que segue foi dividido em 4 tópicos: análise de mercado, instalações, manejo operacional e análise dos resultados.

1 – Análise de mercado

Antes de iniciar a construção/operação de um confinamento, devemos primeiro pensar na viabilidade do projeto como um todo. Alguns pontos podem parecer meio óbvios, mas se negligenciados, podem comprometer a viabilidade do projeto.

Para te ajudar a pensar um pouco sobre esse tópico, responda às perguntas abaixo:

– Como é o mercado e a oferta de animais da região (bezerros, garrote, boi magro, vacas descarte)?

– Onde os animais serão abatidos (disponibilidade e distância de frigoríficos)?

– Quais as exigências dos possíveis frigoríficos?

– Qual a disponibilidade de insumos e coprodutos na região?

Perguntas como estas são importantes para definir as estratégias de um confinamento. Isso porque, dependendo da região, será preciso comprar gado e/ou insumos de outras regiões, trazendo um impacto negativo no custo de produção, dado o valor do frete, prejudicando a margem do negócio e podendo até inviabilizar a operação.

Pensar no local de abate dos animais (local de venda) também é um ponto importante, uma vez que cada frigorífico trabalha de uma forma. Nos dias atuais existem plantas frigoríficas que trabalham visando o mercado interno enquanto outras focam o mercado externo.

No caso de frigoríficos que exportam, dado o maior leque de mercado (principalmente China) existe uma bonificação paga ao produtor para os bois que entram nos critérios que permita a exportação, sendo exemplos Boi China e cota Hilton.  Para ilustrar, no ano de 2022 vimos frigoríficos pagarem um ágio (em média de R$20/@) para o que chamamos de “Boi China”, cuja especificação seria abate de animais com até 30 meses de idade (4 dentes permanentes).

Existe ainda frigoríficos que trabalham com programas de carne de qualidade, as chamadas “Carnes Premium”, em que, quando as exigências são atendidas, o produtor é remunerado com algum diferencial no valor da arroba.

Sendo assim, precisamos entender a disponibilidade de animais, os insumos disponíveis na região e o mercado no qual iremos nos posicionar (commodity vs. carne de qualidade), para, assim, poder criar cenários, planejar as dietas e custos de produção, e com isso conseguir analisar a viabilidade da operação de confinamento.

2 – Instalações

A construção deve ser bem pensada, afinal, uma vez edificada, qualquer mudança envolverá gastos adicionais. Erros estruturais podem afetar diretamente o dia a dia (rotina) da operação, comprometendo os resultados obtidos.

Alguns pontos para se atentar e te ajudar na hora de pensar onde e como construir o confinamento:

        • Declividade – Áreas com declividade de 3 a 5%, favorecem o escoamento da água (tanto das chuvas como a água da limpeza dos bebedouros) impedindo (ou dificultando) a formação de lama nos piquetes.
        • Área por animal – Estudos apontam que ofertar de 12 a 16 m² de área por animal resultam em melhores resultados. Observação: no período das águas, procure trabalhar com mais m² por animal do que na seca, dada a formação de lama (reduzir o número de animais de 20 a 30%).
        • Cocho – Garantir de 30 a 50 cm lineares/animal. Lembre-se que o cocho é o prato do animal e você precisa garantir seu acesso a ele. No caso de menor disponibilidade de cocho, atente-se ao manejo, garantindo oferta de comida ao longo do dia. Em situações de área de cocho restrita, limitar o fornecimento de dieta (como em alguns casos de confinamentos de recria) não é bem-vindo.
        • Bebedouros – Tem-se falado em 3 cm/cabeça e uma altura mínima de 75 cm para animais adultos (Borges, 2015). Estes valores garantem acesso à água e evita a entrada dos animais no bebedouro (Figura 1). Outro ponto muito importante é garantir que haja vazão suficiente para atender à exigência dos animais que é de aproximadamente 15% do seu peso corporal/dia. Bebedouros menores, facilitam a limpeza e, nesse caso, alguns projetos têm instalado mais de um bebedouro por curral se preocupando em aumentar a área de bebedouro sem comprometer a limpeza deles.
confinamento
Figura 1 – bebedouros baixos
        • Pé de cocho – Deve ser concretado na frente da linha do cocho e ter 3 metros de largura.
        • Pé de bebedouro – Concretar em volta dos bebedouros para evitar erosões e encharcamentos que dificultarão o acesso dos animais.
        • Vagão distribuidor – O tamanho vai depender do tempo de produção, turno de trabalho e perfil da dieta. De forma prática, adotar a capacidade (volume) de 1 m³ para 300 a 350 animais confinados.
        • Sombra – Estudos têm mostrado o grande impacto da sombra nos currais de confinamento em regiões muito quentes, promovendo ganhos adicionais de até 90 gramas/dia. Nesse contexto, a recomendação é trabalhar de 3 a 5 m²/animal de sombra para evitar competição entre os animais. Vale se questionar sobre o clima da região e a viabilidade da adoção de sombra.
        • Sistema de aspersão – Vários confinamentos adotam essa estratégia adicional para evitar/diminuir a presença de poeira, que é o fator principal para o desenvolvimento de problemas respiratórios, o principal problema sanitário da atividade.

3 – Manejo operacional

Boi gosta e precisa de rotina, tem a necessidade de comer todos os dias a mesma dieta, no mesmo horário e esse é o grande desafio do confinamento. Falar isso parece ser apenas um detalhe, porém quem conhece o dia a dia de um confinamento sabe que fazer essa gestão de rotina não é simples, uma vez que existem várias etapas e procedimentos ao longo do dia, que demandam qualidade na execução e comprometimento de todos os envolvidos.

Não é incomum ouvirmos dizer que o resultado de um confinamento é 80 a 90% vindo da rotina de operação e apenas 10 a 20% obtidos da dieta formulada. Note que estamos falando de ajustes de rotina afetando o resultado, estes que necessitam de pouco desembolso, porém podem comprometer o resultado da dieta formulada e, o principal, o custo da atividade.

Falando um pouco da operação

Esta inicia-se pela manhã, com a leitura e limpeza de cocho dos animais. A partir das notas da leitura de cocho, tem-se o ajuste da quantidade de dieta que precisará ser produzida e entregue aos animais.

Seguimos para a montagem do vagão e distribuição da dieta do primeiro trato, este que normalmente representa de 20 a 30% da quantidade de alimento que será ofertado no dia. A maioria dos confinamentos faz mais de 1 trato, variando de 2 a 5, dependendo do perfil de dieta, da capacidade do vagão e do operacional da fazenda.

Para tudo isso acontecer sem interrupções é preciso haver um bom controle de estoque para não deixar faltar insumos.

Quando o milho e/ou sorgo são utilizados na dieta, outra atividade que precisa ser realizada como rotina é a moagem dos grãos. Este é um processo que deve acontecer com eficiência e qualidade, se atentando à velocidade da moagem, sem deixar de lado a granulometria recomendada. A MS dos ingredientes úmidos da dieta (ex: silagens) também é um ponto de constante monitoramento.

Outra ação que parece simples, mas é fonte de erro em muitos confinamentos é a pesagem dos ingredientes que serão colocados no vagão. O desvio de produção (ou carregamento) é um erro que acaba resultando na entrega de uma dieta diferente daquela que foi formulada.

Falar em rotina parece simples, mas sendo realista, sabemos que toda a operação está sujeita a imprevistos, como um vagão que quebra, ou um pneu de trator que fura, balança que para de funcionar, a ausência do funcionário que não está em um bom dia e por aí vai.

Imprevistos acontecem, porém, o desafio de um bom gestor de confinamento é monitorar atentamente o previsto e o realizado de cada atividade afim de minimizar as variações ao longo dos dias.

Quando analisamos os confinamentos de médio a grande porte com boa rotina diária, são os que possuem equipes setorizadas, pessoas específicas para cada etapa, possibilitando colocar a melhor pessoa para aquela determinada função, melhorando a organização da rotina e o aperfeiçoamento de cada etapa.

Após o início do confinamento, deve ser feito o acompanhamento diário para garantir que tudo está acontecendo como planejado e, se algo estiver errado, ajustar o mais rápido possível. Abaixo, os tópicos mais importantes de observação diária.

        • Condições gerais dos animais;
        • Comportamento dos animais, principalmente no momento da leitura de cocho;
        • Escore de fezes;
        • Matéria seca dos ingredientes úmidos;
        • Tamanho de partícula e fibra fisicamente efetiva;
        • Desvio de carregamento;
        • Desvio de distribuição;
        • Qualidade de Mistura;
        • Qualidade da água;
        • Granulometria do milho/sorgo;
        • Consumo de matéria seca (diária e curva de consumo);
        • Frequência, horário e duração dos tratos.

4 – Análise dos resultados

Após o abate dos animais, é o momento de fazer o fechamento dos dados do confinamento e checar a produção/ganhos do período. Nesse momento, é fundamental que o responsável tenha em mãos todas as informações dos lotes, como:

        • tempo de cocho,
        • peso de entrada,
        • peso de saída,
        • peso de carcaça quente (romaneio) e
        • o consumo dos animais.

Usualmente, no confinamento a métrica mais falada entre os pecuaristas é o ganho médio diário (GMD). Esta é a mais famosa de todas e é uma das principais métricas quando falamos na venda com base no seu peso vivo.

Vale destacar que ela, sozinha, só representa uma parte da história quando pensamos no dinheiro que sobra no bolso do produtor, uma vez que, na equação do lucro (lucro = receita – custo), o GMD representa o lado da moeda do faturamento/receita. Para fechar a conta precisamos conhecer o custo que levou àquele ganho, onde o consumo de MS dos animais é o principal componente de custo da diária no confinamento.

Além de ser um ponto de atenção no dia a dia da operação, conhecer o consumo de MS que levou àquela a produção é fundamental para o fechamento zootécnico e econômico do confinamento.

No caso da avaliação com base no peso vivo, a medida da eficiência produtiva pode ser avaliada pelo cálculo da conversão alimentar (quantidade de kg MS para ganhar 1 kg de peso vivo) ou da eficiência alimentar (ganho de peso vivo com o consumo de 1 kg de alimento).

No entanto, na maioria dos casos o produtor comercializa seus animais com o frigorífico baseado no peso de carcaça, o que permite a avaliação mais detalhada das variáveis produtivas, uma vez que, quando falamos em kg de peso vivo, estamos contabilizando nesse peso o conteúdo do trato gastrointestinal (TGI), os componentes não carcaça e a carcaça propriamente dita.

Esses componentes que compõe o ganho de peso podem variar de 4 a 12%, 32 a 36% e 52 a 60%, para o conteúdo do TGI, componentes não carcaça e carcaça, respectivamente, e isso ocorre por vários fatores, mas principalmente pelo perfil de dieta, histórico alimentar e genética dos animais.

Nesse sentido, podemos analisar a produção de carcaça (GDC) dado que ela é a nova moeda da receita.

Da mesma forma, nesse caso, conhecer o consumo de MS é fundamental. Com ele conseguimos calcular uma variável que se relaciona diretamente com o lucro no confinamento: a conversão em carcaça, também conhecida como eficiência biológica em alguns lugares (quantidade de quilos de MS para produzir 1 arroba).

Como análise complementar podemos citar o rendimento de carcaça (RC), muito discutido entre os pecuaristas e grande ponto de atrito entre eles e o frigorífico. O RC é considerado uma medida quantitativa após o abate, que nos mostra, em porcentagem, quanto do peso vivo foi convertido em carcaça.

Para calculá-lo basta pegar o peso de carcaça quente, que sai no romaneio de abate, e dividir pelo peso de abate, multiplicando pelo valor 100 para ter o número em porcentagem.

Uma forma de melhorarmos o rendimento de carcaça é alterar a composição do ganho do animal através do adensamento da dieta. Por exemplo, com o aumento da inclusão de concentrado na dieta, podemos ter dois fatores afetando o ganho:

1) aumento da deposição de gordura da carcaça, dado o maior consumo de energia;

2) aumento da velocidade de digestão (maior taxa de passagem), diminuindo o conteúdo do trato digestivo, melhorando o rendimento.

Outras variáveis também podem influenciar o Rendimento de Carcaça, como idade de abate, sexo e raça, mas esse é assunto para um outro texto.

Para fechar as análises dos dados, um outro cálculo que pode ser feito é o rendimento do ganho. Também considerada uma medida qualitativa, esse valor associa o ganho de peso vivo com o ganho em carcaça, sendo uma forma de analisar a qualidade do ganho dos animais.

Em sistemas de confinamento, essa métrica varia entre 60 e 65%. Na prática, se o animal teve um GDC de 1 kg e um GMD de 1,55 kg/dia, o rendimento do ganho final foi de 64,5%.

Confinamento no contexto de fazendas de cria-recria:

– A estratégia pode ser utilizada para a engorda das vacas de descartes e aumentar a receita e a taxa de desfrute da fazenda.

– Vimos crescer muito nos últimos anos o confinamento na fase de recria, principalmente nas fazendas que possui uma alta lotação na época das águas, se tornando uma grande alternativa para a seca e até mesmo uma forma de viabilizar a entrada das fêmeas na estação de monta, próximo aos 14 meses de idade, as chamadas “precocinhas”, para alcançar o peso mínimo para inseminação.

Confinar a recria somente durante 60 a 70 dias, na transição seca/águas, estratégia conhecida como “sequestro”, visando aliviar as áreas para que o pasto saia de forma mais rápida.

Se quiser saber mais sobre o assunto, basta clicar neste link: 6 tópicos relacionados à recria confinada – Agroceres Multimix

Para pensar

O caminho para um sistema eficiente é planejar e monitorar todas as etapas, desde a construção do confinamento até a rotina ao longo dos dias, para que o realizado seja o mais próximo possível do previsto, garantindo assim o desempenho esperado.

Lembre-se: formular uma boa dieta é obrigação, mas ela é só o começo da história.

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